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—Ruelle, tá tudo bem — Lysandre insistiu para a amiga pela quinta vez na mesma conversa — Você nem mesmo estava se controlando, não foi a sua culpa.

—Era o meu poder sugando a sua vida, era a minha magia te matando - Ela gritou — Como você consegue chegar perto de mim, como você não tá assustado?

—Eu só existo porque você existe — A lembrou — Todos os anos da minha vida eu fui treinado para te proteger, não te temer.

Entre a dor lancinante que a tinha perseguido naquele dia, ela tinha sentido um fragmento do próprio poder novamente, sentia-o possuir suas veias... aquilo a lembrava da liberdade antes da maldição, enchia sua mente de lembranças vagas de um tempo distante. Uma forma de tortura sofisticada.

E o que mais a doía era ver que nenhum deles estavam realmente com medo dela, vê-los aterrorizados por ela, preocupados por ela. Às vezes ela sabia que a progenitora tinha ganho a guerra no final, porque Ruelle não se sentia merecedora do olhar de compreensão de Lia, a preocupação de Ethan ou o cuidado de Kaz.

Ela aprendeu com os anos que existem dois tipos de medo: os medos que afetam você e o medo que afeta outra pessoa. Por que uma pessoa indestrutível como ela teria medo de altura? quando ela poderia cair do monte Fuji para o inferno e não ganharia mais que um joelho ralado. Por que temer o mar, quando não existe criatura mais perigosa que ela? Na escuridão, ela era o monstro à espreita. Nenhum medo irracional afetava uma pessoa que já tinha visto de tudo durante os séculos de vida que tinha.

Mas existe um medo imutável: medo pelos amigos, medo por Kazuha. Medo do que poderia fazer se realmente perdesse o controle, medo de matá-los. Sim, Ruelle era indestrutível, mas os seus amigos eram apenas imortais, com medo de tudo o que ela encarava bravamente. E por isso o único medo de verdade que Rue tinha era vê-los morrer.

Foi aquele medo — aquela culpa — que fez com que ela sequer questionasse quando Kaz se afastou dela pelo resto do dia, entendendo completamente o quão assustado ele deveria estar. Mesmo que aquele descontrole ainda tivesse ocorrido diversas vezes antes, aquela era a primeira vez que ele realmente tinha chegado perto de morrer.

E aterrorizada de si mesma, Ruelle se escondeu de todos no subsolo, lendo e relendo as páginas do feitiço de ressurreição que ela executaria logo logo — ela até mesmo tinha se esquecido daquilo por um momento, perdida num turbilhão de sentimentos que fazia seu coração parecer ser esmagado pelas costelas.

Os copos de rum se tornaram garrafas e Rue percebeu que buscava uma embriaguez que nunca vinha — e ela se sentiu meio triste, invejando os humanos pela capacidade tola de se afogar em álcool como se o gosto amargo fosse preencher o vazio da alma.

A única coisa que fazia Ruelle se esquecer do terror que ainda revirava suas entranhas era focar em algo totalmente destoante, e por isso percebeu que tinha lido tantas vezes a mesma página que já havia decorado.

Havia uma lua específica com um alinhamento que só ocorria a cada 100 anos que garante o livre trânsito de almas no plano terrestre para visitar seus entes queridos, mas dessa vez uma alma estaria esperando para ter seu corpo de volta.

Dali exatamente dois dias.

—Sabia que eu morro de medo quando você começa a falar essas palavras esquisitas? — Kazuha apareceu, sentando-se ao lado da amiga quase totalmente debruçada nos livros. O olhar dela ainda fixo nas páginas amareladas, dando ao amigo um pequeno sorriso apenas para mostrar que tinha ouvido seu comentário. — Tudo bem?

—Eu que deveria estar te perguntando isso — Ela o lembrou, finalmente tomando coragem para olhá-lo, mais analisando do que realmente olhando apenas. Kazuha sabia que ela procurava sinais do acidente que tinha ocorrido com ele momentos atrás, mas ele sequer parecia preocupado com isso, lhe devolvendo um sorriso reconfortante.

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora