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A mensagem pareceu chegar no momento mais errado possível: um torpedo de Alexina e Circe para todos da Oposição se encontrarem nos portões às dez daquele mesmo dia.

Faremos Um Grande Arranjo de 22 horas.

Previamente Olhamos Ratos Traidores Aparentes Ou, Provavelmente Roerão Inteiros Nossos Cabos Internos Para Amanhã Lembrarmos.

Satori traduziu instantaneamente, era assim que se comunicava com Circe durante a infância. Os amigos também pareciam lembrar dessa história, porque passavam entre si pelos corredores e assentindo uma única vez.

Antes mesmo do sol se pôr, todas as malas já estavam devidamente feitas e escondidas. Mas Sato não sabia como manter distância de Cordelia, tampouco de Macaria, que parecia insistir em ter uma conversa pessoal que ela não estava com cabeça para ouvir.

O medo era inegável, a adrenalina em serem pegos durante a fuga ou de alguém não ter entendido a mensagem atordoavam todos que a tinham recebido.

Maven sentou ao lado de Satori, sentada no chão e apoiada na própria cama. Lhe ofereceu uma taça de vinho que foi imediatamente aceita, então pegou uma para si.

E esperou.

—Acha que eu exagerei? — Ela perguntou.

—Sim, pra caralho — Ele foi sincero como sempre era, os olhos negros e vazios olhando fixamente para o líquido rubro enquanto a respondia. Ouviu um suspiro, e terminou de falar — Mas como que eu vou te culpar? Vocês namoram por quatro anos, se conhecem há cinco e ela passou o tempo todo mentindo pra todo mundo. Eu também s-

—Namorávamos — Ela corrigiu com pesar, Maven deu de ombros.

—Vão voltar — Ele respondeu sem titubear, Sato se virou com tanta velocidade que alguns cachoos negros voaram junto no rosto dele, que não pôde evitar a careta. — Nem me adianta olhar com essa cara de mal comida.

—Acha que eu não mantenho minha palavra? — Ela questionou com intensidade.

—Acho que você mantém sim, sempre te falei o quão bem você honra a sua palavra — Maven a respondeu com tranquilidade, bebendo um pouco mais — Mas vocês duas são esquisitas pra cacete: nunca vi um amor assim e você nunca mais vai sentir um amor assim. Você não é do tipo que perde esse tipo de coisa.

—Ela é uma Emissária, igual aqueles que nos atacaram, igual os que me deixaram em coma — Satori respondeu e viu o amigo fazer a única coisa que ela tinha certeza que ele faria: agarrar a garrafa de vinho e encher ainda mais a taça dela — Valeu.

—Mas ainda me mantenho firme. Foda-se que ela mentiu, Cordelia é Cordelia e você é você: a única relação que me faz acreditar que almas gêmeas realmente existem.

—E como eu vou olhar para ela? Como eu vou confiar nela depois de tudo isso?

—Não exagera: sou seu amigo, não seu psicólogo — Ele a lembrou e ela inclinou a cabeça, aceitando a resposta — Tira seu tempo, grita, briga e faz o que você quiser, mas conversa com ela porque eu tenho certeza que você ficou interrompendo ela o tempo todo.

—Eu gritei na cara dela que não queria mais ver ela, não com essas palavras, mas...

—Eu vou te dar um desconto simplesmente porque eu sei que você não age assim — Maven pontuou — Mas não vacila, você sabe que tá para nascer alguém que te complete como ela.

—E se eu não quiser voltar?

—Vai meter esse louco para mim? — Ele questionou — Dá pra ver na sua cara que você só quer sair correndo e pedir desculpas como um cachorro voltando com o rabo entre as pernas.

—Não exagera. — Ela riu.

—Vira essa taça logo que já vai dar nove e eu não quero te levar bêbada para lá — Maven aconselhou e assim foi feito impiedosamente. O gosto amargo preencheu a boca de Satori, assim como o calor do álcool em sua garganta e peito foi como um pequeno consolo para tudo o que estava acontecendo.

—Você é um bom amigo. Cê sabe disso, não é? — Ela questionou, já levantando-se para ir.

—Eu não estou nem perto disso, mas fico feliz que ache — Ele respondeu com sinceridade. — Quer ir para lá agora? Acho que Ness e Malaika já devem estar por lá.

—Eu ia meio que falar isso agora — Ela sorriu, estendendo-lhe a mão para ajudá-lo a levantar — Consegue levar minha mochila?

—Sabe... agora que eu sei que a Cory treina desde criança, fico menos mal de sempre perder para ela — Maven zombou enquanto pegava a mochila da amiga. — Dizem que eles treinam assim que aprendem a andar.

—Isso é culpa de você ser um vampiro, sabe: precisa chupar dos outros para ter — Satori falou, mas bastou que olhasse para as sobrancelhas arqueadas de Maven para saber que tinha errado — Você entendeu.

—Era mais fácil fazer a analogia do celular e carregador, bem menos esquisito e não soa pervertido — Ele usou a pura lógica, caminhando para fora — Eu vou indo na frente, consegue fechar tudo?

—Claro, fica tranquilo — Ela indicou, vendo-o se distanciar.

E foram poucos minutos trancando até mesmo as portas do banheiro, verificando embaixo da cama e gavetas para garantir que não esqueceram nenhuma pista.

Mas quando finalmente trancou a porta do dormitório, precisou morder a língua para não gritar de susto ao ver Inara parada à frente, um sorriso tenebroso no semblante velho e enrugado.

—Boa noite, será que me daria a honra de uma caminhada? — Ela indicou, e as palavras de Kinessa pareceram ecoar involuntariamente na mente dela.

"Nunca pedidos, são ordens educadas".

—Por que não? — Forçou-lhe o sorriso mais agradável que conseguia, e começou a acompanhá-la pelo corredor.

—Acho que criei um apreço por essa nova geração heróica — Ela começou — Vocês são empenhados e muito ambiciosos, lembram-me da minha juventude.

—Tentamos o máximo para capturar os vilões — Respondeu-lhe.

—Sei que você é realmente a mais empenhada: recorde atrás de recorde, reflexos excelentes e passa mais tempo em treinamento do que fora dos ringues. Gosto disso — A voz de Inara era de uma pessoa velha, Satori achava até mesmo engraçado que o som fosse enrugado — Por isso achei de muita honra perguntar-lhe.

—O que?

—Durante a tarde, chegou uma notificação falando sobre possíveis Emissários da Escuridão infiltrados na Academia — Sato odiou precisar recorrer a todas as dicas que Cordelia tinha lhe dado sobre mentir para manter o rosto neutro — Um dos nomes mencionados me preocupou muito. Afinal, você e os irmãos Dumitrescu possuem muito contato, não?

—Desde o primeiro ano de treinamento — A Fulgora respondeu sem hesitar, mas mantendo a voz baixa e suave... como Cordelia lhe dizia para fazer, era mais fácil mentir quando você não precisava forçar a voz para fora e mantê-la neutra.

—Sei que namora com Cordelia, ao menos — Ela continuou, e cada palavra causava-lhe vertigem — alguns amigos da Conclave acharam indecoroso perguntar, mas confio no seu julgamento: há alguma possibilidade de ela realmente ser uma traidora? 

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora