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—Como eu pude deixar um detalhe tão importante passar? Não acredito que ela esteve viva todo esse maldito tempo! — Ruelle tinha tirado o tempo para se martirizar, olhando pela lagoa cristalina que refletia sua irmã gêmea em vida, ainda acostumando-se com o fato de não sentir mais os espinhos das rosas que a cercavam, ou a grama rosa em seus pés nús.

—Você era só uma criança.

—Nunca fui só uma criança, Odessa — Rue a lembrou, observando o sorriso familiar da senhora de vestido longo azul marinho.

—Já te disse que sinto muito por isso, queria ter estado lá para te proteger da ira de Inara — A mulher mais velha sussurrou, as mãos passando pelos cabelos grisalhos da velhice que enrugava seu rosto moreno. — Sinto que foi tudo culpa minha... não tê-la protegido também.

—Ela escolheu o caminho que queria seguir, vó. — A Andraste a lembrou com carinho, colocando a mão no ombro coberto de veludo — Algumas pessoas só não tem mais salvação.

—Gosto quando me chama de vó — A senhora sussurrou, os olhos rosa encarando o chão.

—Achei que odiasse.

—Me faz sentir um pouco viva de novo, é nostálgico.

—Eu queria poder lembrar de você em vida — Confessou — Mas eu ainda era muito nova.

—Eu sei, querida — Ela sorriu — Não se culpe, tudo bem?

—Minha lista de coisas pelas quais eu me culpo não tem mais espaço, fique tranquila — Ruelle zombou com um sorriso, apoiando a cabeça no ombro, acima da própria mão.

—Ruelle! RUELLE! — Um grito ecoou, batalhando ferozmente contra a brisa de almas abafadas. Reconhecer a voz fez Rue endireitar a postura, encarando a avó materna assim como ela o fazia de volta. — Mãe!

—Adeus, Morrigan — Odessa acenou uma vez — Foi bom poder realmente conversar com você.

—Vou te visitar mais vezes — A mulher brincou.

—Se me visitar desse jeito de novo, eu te forço para o limbo — A senhora devolveu com avidez — Agora vai, você tem amigos para ver e uma irmã para achar.

—Adeus, vó.

E ela correu o mais rápido que pôde, encontrando Melione no labirinto, correndo totalmente perdida, o que a deu um pouco de vontade de rir. Mor esperou que ela olhasse para trás e adorou o sorriso genuíno que viu no rosto de Mel, que correu até ela e agarrou a sua mão, puxando-a para o círculo.

Ela nem mesmo falou nada além do feitiço.

Melione viu a Morrigan ao lado do próprio corpo, encarando-o esperando que ela terminasse o feitiço, olhando para Darya à sua frente, refletindo a forma com a qual seus olhos laranjas não pareciam ter sequer uma centelha de medo.

—Ela está por aqui? — A fada perguntou e Mel assentiu uma vez — Obrigado pela chance de poder respirar de novo — Sussurrou e pegou a mão da necromante, colocando-a no próprio peito — Tudo bem, você consegue.

—Me desculpa — Ela sussurrou fazendo aquilo da forma mais rápida e indolor que conseguiu. Atravessou o corpo de Darya com cuidado e olhou para o espírito da mãe, que assentiu uma vez e a viu recitar o feitiço, terminando-o finalmente.

E o espírito sumiu.

E Melione esperou que ela acordasse, mas nada aconteceu. Nem mesmo um suspiro, uma cor a mais... nada, ela permaneceu do mesmo exato jeito. Mel pensou que a lâmina mágica não tinha funcionado, mal o rubi na ponta ainda brilhava, assim como o vestido branco de Darya era ensopado pelo sangue da fada.

—Teoricamente, vai demorar para a energia profana da flecha se dissipar completamente — Nesryn fungou atrás de Melione, assustando-a por um momento. A mulher de cabelos violeta analisou o corpo na mesa, então os restos mortais de Darya.

—E-eu sei que é pedir muito, que você não pode interferir no futuro e nem no presente, mas...

— Uma das utilidades de ter esse poder é literalmente poder interferir, manda ver! — A mulher corrigiu, e mesmo com o tom tranquilo, havia um peso invisível na voz, na postura encolhida na jaqueta de pele — Pergunta, pode perguntar, mas seja extremamente específica.

—O feitiço de ressurreição que eu acabei de fazer no corpo da Rue funcionou? — Perguntou e a tatuagem da mão de Nesryn tornou-se verde fluorescente por um momento, fazendo a novata lhe dar um esboço de sorriso.

—Acho melhor prepararem meu quarto, por uns cinco dias, talvez quinze? É incerto o tempo, mas é certo o maldito resultado — Lhe deu a resposta numa pergunta retórica, conseguia até mesmo ver os neurônios de Melione fritando para entender, até que ela colocou as mãos na pedra fria e suspirou. Então abriu os olhos repentinamente, encarando a aspirante a herói como se ela fosse uma abominação — O que foi?

—Esse era o plano, não era?

Foi a primeira vez que o sorriso de Nesryn se completou.

—Você quer... morrer?

—Não por um longo prazo, só até a Melione encontrar o feitiço. - Ruelle explicou.

—E quer que eu te diga qual livro ela vai olhar no dia que você morrer?

—Exatamente, te dou liberdade de interferir quantas vezes forem precisas para que tudo aconteça perfeitamente.

—Tudo bem, vamos fazer isso.

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora