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Miara, contra todas as indicações da Conclave e dos próprios treinadores, obrigou que todos os alunos da Academia acordassem e fossem com ela ver a estátua de Inara.

Circe tinha indicado que não era bom levar os jovens para ver aquilo, mas eles pareciam fazer questão daquilo. Mas Miara deixou claro que, se Satori não fosse com Circe, iria com ela, e seria bem menos delicada.

A irmã de Sato conhecia cada rosto morto ali, e sentiu-se culpada por gostar de vê-los mortos: estupradores, abusadores... conhecia cada um dos trinta, e quando olhou para Alexina, sabia que ela também não ligava nem um pouco para a morte deles. E no topo, como Circe tinha avisado: o corpo de Adeline.

Os mais jovens tremiam e vomitavam com a forma grotesca que os corpos tinham sido assassinados, e dentre todos os alunos da Academia, apenas os alunos de Alexina e de Kinessa olhavam aquela desgraça com naturalidade.

—Como será que ela consegue fazer isso? — Macaria se abaixou sobre um dos corpos, cutucando a cabeça molenga, ouvindo o barulho nojento de líquido sacudindo-se no crânio — tipo, deve exigir concentração pra caralho.

—Ei, aquela não era uma prima sua? — Orion apontou para um corpo mais oculto, igualmente implodido, Aria reconheceu de cara e foi a primeira vez que fez alguma expressão de nojo.

—Ela mereceu — Cordelia e Satori se entreolharam, surpresas pela reação da amiga, mas foi Maven que acabou com o mistério.

—Ela deixou a própria mãe morrer para pegar um vilão por pura reputação, Macaria tinha sido criada pela mesma mulher, então ficou puta quando isso rolou — Falou baixo o suficiente para que apenas as duas ouvissem e compartilhassem da raiva.

—Por que a gente tá aqui? Uau, a Andraste tem bom senso e depredou essa estátua ridícula, e o que a gente tem a ver com isso? — Satori perguntou, e todos se perguntavam a mesma coisa.

—Mas uma coisa é fato: é engraçado ver os outros vomitando em todo lugar, os mestres estão com uma puta vergonha — Cordelia zombou com um sorriso cruel.

—Não é porque tivemos sorte de treinar com Kinessa, que devemos ficar zombando dos outros, Cory — Orion a repreendeu.

—Quando foi que você ficou tão moralista? — A irmã reclamou cruzando os braços. — E você nem foi treinado por ela, tá se vangloriando do que?

—Se. Mata. — Se teve uma coisa que Satori aprendeu com o tempo, foi que Orion com sono era um evento traumático — Sério, qual é o ponto de tudo isso? Eu quero ir dormir.

—Fiquem ao lado de Kinessa e não saiam de jeito algum — Circe apareceu distribuindo ordens, se aproximando da irmã — Você tá bem?

—Melhor impossível — Ela fazia de tudo para garantir que Satori permanecesse com a cabeça no lugar, mas isso sequer parecia afetá-la.

—Eles querem ver quem tá do lado deles hoje, então fica na sua, sério, isso vai ser feio — Circe aconselhou a irmã, que sabia exatamente o motivo pelo qual estava ouvindo aquilo.

—De que lado você tá, no final das contas? — Satori perguntou com os braços cruzados, mas não havia raiva, era mais curiosidade que acidez apenas para machucar — Hein?

—Você sabe que eu não me dou o luxo de escolher meu lado — Circe se aproximou, dando de ombros, mas aquilo era um sinal claro: estava do lado da Oposição — Aqui é campo minado, a gente conversa depois, agora me obedece e vai para o lado da Kinessa.

E Maven a guiou para o lado da mestra, constrangido por sempre acabar no meio da briga entre as duas irmãs que pareciam não querer se entender de jeito algum — o que era engraçado, porque naquela mesma tarde elas tinham finalmente se entendido. O garoto se sentia mal, porque toda vez que tentava ajudar Circe, era massacrado pela amiga logo depois. Até que parou de tentar.

—Devem estar se perguntando o que fazem aqui hoje — Miara e Alaric estavam no centro da grande roda, passos à frente do amontoado de cadáveres. — E isso é o motivo — Ela ergueu um brasão da Conclave, e Circe precisou morder a bochecha para não sorrir ao ter a morte de Rune confirmava — Os Neera estão nos matando, e não um a um, isso virou uma guerra, e por isso precisamos da melhor arma que conseguirmos.

—Infligimos nossa própria lei, e espero que nos perdoem, mas isso foi necessário — Alaric disse, e Satori sentiu vontade de fritá-lo apenas por olhar para sua irmã daquela forma. — Utilizamos de magia proibida para ressuscitar a única pessoa que pode nos ajudar contra os Neera, por favor, em nome da Academia, desejo boas vindas à Inara Abernathy.

Suspiros, ofegares ecoaram quando eles viram o rosto moreno da mulher, os olhos cor de rosa quase vibrantes e os cabelos laranjas: eles sabiam que ela seria uma mulher linda em algum momento, mas a linha grossa diagonal negra que cruzava da sua testa até sua bochecha era grotesca, tão ramificada que fazia a pele dela parecer cerâmica rachada.

Satori e Macaria, por puro reflexo olharam para Kinessa, procurando algum consolo, mas encontraram apenas aquela frieza mortal de um soldado milenar, e o único sinal de que ela sentiu alguma coisa foi a parte interior do cabelo ondular em vermelho sangue por um momento antes de retornarem para a palidez branca.

—Isso é o trabalho de um monstro — A mulher apontou, a voz trovejando pelo silêncio chocado das pessoas — Andrastes não podem morrer e por isso acham que podem assassinar os nossos? Não comigo aqui. — Kinessa tinha comentado sobre aqueles discursos distorcidos, aqueles pontos de fragilidade para gerar confiança... nenhum de seus pupilos cairia nessa, e ela teve essa certeza quando olhou para o mais volátil e Orion tinha raiva ondulante ardendo em seus olhos, raiva da Inara — Eu, como a culpada por essa criatura existir, juro a vocês que serei eu a matá-la.

Eram palavras vazias e falsas, mas penetraram todas as camadas de um povo desesperado, jovens influenciáveis que assentiram com firmeza, alguns até mesmo batendo palmas para ela. Mas a única coisa que Cordelia conseguia sentir era nojo, não dos cadáveres, mas da forma que ela falava da própria filha.

Se a minha mãe fosse assim, eu também teria me tornado uma serial killer — Damien deixou escapar, logo o pupilo de Miara, o sussurro soando mais alto do que deveria, chegando até o grupo de Kinessa e Alexina, que se entreolharam numa tentativa de conter a risada de concordância.

Mas assim como eles ouviram, Miara também ouviu, virando-se na velocidade de um raio, encarando o aprendiz que tinha falado e caminhando em passos largos até ele. Inara e Alaric também a encararam, mas não deram um passo para fora de onde estavam.

Leonor sequer piscou quando o amigo foi arrastado para o centro e decapitado como se não fosse nada.

Ofegares, lágrimas e um grito distante foi tudo o que os pupilos bem treinados ouviram.

—E lembrem-se: ou vocês estão do nosso lado, ou serão nossos inimigos, condenados à morte — Inara declarou, e todos souberam que tinham acabado de serem promovidos de heróis independentes para capachos de uma maluca.

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora