4.5

4 1 0
                                    

Eram os quatro, sentados em seus lugares na primeira fileira enquanto Kinessa rabiscava algumas coisas na lousa, estratégias de luta e guerra como se tudo estivesse normal — e para Kim, estava tudo normal.

—Nenhum de vocês quatro está olhando para a tela desde que chegaram, o que aconteceu? — Kinessa perguntou, de braços cruzados.

—Você diz que conhece muito sobre os Neera, não é? — Macaria foi a primeira a perguntar, ignorando completamente todos os olhares de alerta para ela ao tocar no assunto, principalmente porque eles sabiam onde aquilo terminaria.

—Minha especialidade — A mestra os lembrou, dando a eles uma brecha para falar sobre aquilo.

—Já chegou a estudar o diário de Klythie? — Aria contrariou todos os alertas ao questionar — Tipo, nunca tinha ouvido falar dessa Neera, você mesmo nunca tinha comentado.

—Diário? — Kinessa arqueou as sobrancelhas com pura incredulidade, a voz soando como uma risada engasgada.

—É... um diário.

—De Klythie? — A mestra repetiu, vendo a pupila assentir — Como uma analfabeta ia escrever um diário?

—Como assim? — Cordelia se sobressaltou.

—Pela alma de Otsana, quem lhes contou que Klythie tinha um diário deveria realmente querer o mal de vocês — Kinessa se apoiou na mesa atrás de si — Ela era analfabeta, todos os registros de todos os Neera alfabetizados contam a dificuldade de ensinar Klythie a escrever e ler. Achei que já soubessem que não podem sair por aí acreditando em tudo que esses porcos da Colerum dizem: Se, por algum motivo tiverem achado esse diário, podem ter certeza que foi forjado, assim como todos os livros que vocês têm acesso nas livrarias daqui.

—Então Ruelle nunca foi amaldiçoada durante a viagem para Notremor? — Maven perguntou, curioso.

—Em Notremor? O lugar onde literalmente não existe nenhum tipo de conflito? Sério? Quem te contou esses absurdos?

Todos estavam tão preocupados com terem sido enganados, que não notaram quando o peso de tudo que Circe tinha feito até aquele momento, recaía como o peso do mundo nas costas de Satori, roubando o seu fôlego.

Eles discutiam entre si, fervorosos demais para que alguém além de Cordelia notasse quando a garota disparou porta afora. Ela queria ir para os dormitórios, mas seguiu em direção à mansão de luxo da Conclave antes de reparar.

Ela ignorou a estranheza quando os guardas deixaram ela entrar sem sequer debater com ela, deixando-a para cruzar os infinitos corredores e trombar com Alexina e agarrá-la ali mesmo.

—Onde é o quarto da Circe — Satori rosnou com tanto fervor que Alexina sentiu que precisava se preparar para lutar, ajeitando a postura.

—Por que quer saber?

—A gente precisa conversar, só isso — Não havia uma gota de veracidade na falta de calma da voz dela, que mais parecia um rosnado fonético.

—Segue reto, direita, escadaria, esquerda e porta no final do corredor, eu cansei de me meter com problemas Rashdalle — Alexina forçou Satori a afrouxar o aperto, e deixou a caçadora apenas observar enquanto a irmã mais nova de sua amiga marchava com a força de um trovão para o quarto dela.

—Por que você faz isso, Circe? — Satori trovejou antes mesmo que a porta do quarto se abrisse por completo, antes mesmo de ver a irmã mais velha debruçada sobre livros e mais livros.

—Quem te deixou entrar? — A mulher perguntou sem sequer dar o trabalho de encarar a própria irmã. — Não me importo, só saia.

—Você é uma vadia mesquinha, suja e cruel — Satori quase cuspiu conforme se aproximava da irmã — Como pode mentir dessa forma? Tudo aqui é uma mentira, você sabe disso! Por que veio para cá? Você é um monstro do pior tipo.

Circe ergueu o olhar para a parede, fria e sem nenhuma gota de sentimentos.

—Já expressou tua infelicidade? Tenho trabalhos a concluir.

—Você gosta tanto de dizer o quão inútil eu sou, né? Faz isso agora: olha na minha cara e diz que eu sou fraca e isso vai ser elogio — Sato se aproximou a ponto de Circe conseguir sentir ar quente do rosnado em sua bochecha, mas ela permaneceu impassível, um perfeito semblante da General Pulsar. — Eu prefiro morrer fraca, prefiro mil vezes que me chamem de covarde, do que parecer com você, sua mentirosa! Você é uma assassina! Me dá nojo ter que compartilhar o mesmo DNA com você, porque você é igual ao nosso pai!

Aquilo foi a única coisa que rompeu a máscara gélida de Circe, os olhos enchendo-se d'água ao ser comparada com a única pessoa que ela não queria ser.

Tentava todos os dias seguir para o caminho oposto do próprio pai... tinha tentado tanto...

Ela empurrou a cadeira para trás, pondo-se de pé em um pulo, erguendo-se como um gigante amedrontador diante de Satori, que tremia diante da raiva fervilhante nos olhos gêmeos aos dela. Circe apontou-lhe um dedo no rosto.

—Quer me odiar? Me odeie: mas da próxima vez que me comparar com aquele monstro, eu juro por Otsana que vou esquecer que você é minha irmã e te mato como os cachorros da Velha Guarda — Ela esbravejou contra o rosto dela com tanta intensidade que Satori arregalou os olhos em medo.

Mas o que tinha a perder?

—Você matou, milhares de inocentes, você é da Conclave dos Caçadores e anda por aí como se isso fosse motivo de orgulho — Sato a lembrou com tanto desgosto que o coração de Circe se partiu — Você ainda acha que é uma pessoa boa? Você quis estar aqui, você mandou a carta de recomendação para entrar para a Conclave, não aja como se tivesse alguma motivação para isso além de ser uma vadia sádica.

Eu enviei a carta de recomendação? — Circe recuou um passo, como se estivesse tentando conter algo, mas a raiva nos olhos da própria irmã pareceu romper qualquer barreira — Eu estou aqui por sua causa, eu estou aqui porque eles convocaram você.

—Dá para você parar de mentir? — Satori discordou, mas a irmã se aproximou novamente, mas nos olhos não havia raiva... era cansaço.

—A carta era para você — Circe finalmente tirou aquela amarra do coração — Eu peguei a carta primeiro que todo mundo assim que eu soube que nosso pai tinha pedido para que eles te convocassem. Troquei os nomes em todos os lugares, apaguei qualquer registro com o seu nome, eu não vivi nada porque eu sempre estava ocupada demais te protegendo desses carniceiros.

—Para com isso — Satori riu, mas não havia humor nenhum, pura incredulidade.

—Eu sempre soube que você controlaria muito mais do que eu consigo, que você é mil vezes mais talentosa e mais forte e eu não podia deixar você ser doutrinada com quatorze anos quando você só queria salvar as pessoas! — Circe finalmente assumiu — Eu não podia, como irmã mais velha e a pessoa que mais te ama nesse mundo todo, deixar que a Conclave tirasse esse amor lindo que você tem pelas pessoas, então que fosse eu a vadia cruel e maluca, que fosse eu o monstro se isso garantisse que eles nunca encostariam em sequer um fio de cabelo seu.

—E por que você não me contou? — Satori franziu o cenho — Por que me deixou te odiar durante todos esses anos? Por que você matou aquelas pessoas?

—Porque era obedecer, ou deixar que eles te matassem — Ela respondeu, mas sequer encarava a própria irmã — Eu sinto muito por não ser a irmã que você merecia, sinto muito mesmo, mas eu não conseguiria te ver se destruindo aqui no meu lugar.

—Nunca mais, na sua vida, mente para mim desse jeito — Satori ordenou como uma adulta — Eu já sou grande o suficiente para tomar minhas decisões.

—Tudo bem — Circe prometeu, e dentre todas as possibilidades que a irmã mais nova poderia considerar, ela pareceu escolher a mais improvável.

Abraçá-la com uma força quase sufocante.

—A gente precisa sair daqui. — Satori murmurou.

—Eu sei, Faísca, nós vamos — Circe murmurou contra os cabelos dela, chamando-a pelo mesmo apelido que a chamava quando a garota era apenas uma criança.

E elas não sabiam o quão cedo aquilo significaria.

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora