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Ruelle e Melione atenderam ao pedido de Lia para resgatá-la de uma situação entediante, fazendo as duas dispararem para fora prontas para ajudá-la.

E encontrá-la sentada no sofá, encarando veementemente a tela da televisão, Rue soltou um suspiro frustrado ao notar que o grupo fazia um círculo ao redor da grande tela fina.

—Sério? Noite de filmes às cinco da tarde? — Melione questionou, vendo-os se virarem e lhe responderem com um sorriso, Ethan se arrastando para o lado, dando-lhe espaço no tapete azul marinho.

—Achei que fosse interessar para vocês — Talon pensou, ligando a tela e mostrando a capa — É um documentário sobre nós, queríamos ver onde eles acertam — Melione estava sentada no segundo seguinte com o olhar cintilando em expectativa, deixando apenas Ruelle de pé. — Vem logo, tem um lugar do lado da... Darya, certo?

—Tá certo — A princesa sorriu, respondendo-o educadamente enquanto Ruelle se ajeitava ao seu lado.

—Fica difícil errar depois que você chutou todos os nomes com D que existem, né? — Lysandre zombou, e se olhares pudessem matar, o druida estaria morto momentos após terminar sua fala, massacrado por um olhar cortante de Talon, a cicatriz se retorcendo conforme ele fazia uma careta de desgosto.

—Mas tipo, como que tem um documentário baseado na gente? Eles estão garantindo que as informações são verídicas com isso — Ruelle pareceu ter sido a única com coragem o suficiente para questionar aquilo.

—E eu tenho cara de quem sabe? — Talon atirou com os braços cruzados.

—Sei lá, acho que devem ser especulações bem ridículas, por isso queria que vocês voltassem logo — Lia finalmente explicou — E por isso eu quero assistir: estou me mordendo de curiosidade para saber os absurdos que eles pensam de nós.

E então, finalmente o episódio se iniciou num fundo sombrio de floresta com neblina densa, uma introdução com os olhos verdes de Lysandre brilhando ao fundo, efeitos especiais porcos para os poderes de Lia e Ethan, um ator que definitivamente era uma cópia barata de Talon em um terno, a atriz de Melione sendo levantada por cadáveres e por fim, uma valsa entre Ruelle e Kazuha.

—Caralho — Melione sorriu — Essa introdução me deu um gás pra assistir agora.

—Eu nunca usaria um terno daquele — Talon os lembrou de braços cruzados — Por que eu sempre pareço um mafioso nessas adaptações?

—Eu não sei, mas gostei que acertaram na cor dos meus olhos — Lys notou com um sorriso ladino.

—De quem é esse episódio? — Kaz perguntou, as primeiras palavras desde que Rue tinha chegado.

—É da Mel, coitada... — Ethan riu ao apontar para a atriz de olhos azuis e pele tão pálida que... — Qual é o tesão em retratar a morte tão branca assim?

—Pelo menos acertaram que ela é loira — Lia interviu, lembrando do fiasco que tinha sido o último filme sobre eles que tinham assistido, especificamente a Melione retratada como tudo o que ela não era: alta, pálida, cabelo e olhos escuros.

—Cala a boca, tô tentando ouvir — Ela interrompeu.

Mas ninguém fora do círculo sabia a história dela — nenhuma testemunha estava viva — e por isso, foram quarenta minutos de gargalhadas altas no momento em que a viram retratada como a filha de nobres necromantes que deram toda a educação de qualidade para a filha antes de ela ser sequestrada pelo grupo na calada da noite.

—Seria menos merda se minha infância tivesse sido assim — Melione ousou zombar da própria tragédia, fazendo os amigos rirem com o comentário — E o próximo episódio?

—A velha rabugenta — Lysandre mostrou o ator de Talon na capa — E a lendária cicatriz que eles não acertam o lado.

Mas não houve risadas durante a narrativa, o desconforto do amigo palpável durante cada palavra estranhamente certeira. Como se fosse um testemunho, não uma narrativa fantasiosa.

"Um herdeiro que não queria nada que vinha com o sobrenome, o nojo pelo sangrento legado que vinha com sua posição privilegiada: Quem é Talon? O Espectro da morte"

"Quase reis, os Hikleus eram sedentos pelo poder, conhecidos como os barões dos barões, Talon honrou a família ao nascer como um Espectro, mantendo o legado do sangue ao ser silencioso como a morte, rápido e intangível: o caçador perfeito"

"Um caçador que errou, ou acertou, um golpe letal durante o baile de aniversário de casados dos pais, uma facada diretamente no coração da mãe, sendo alvo da fúria do pai e seu coração partido, condenado a nunca mais pisar nem mesmo no país"

"E as fadas o acolheram como um deles"

Ruelle sentiu a respiração rasa de Darya com a menção ao seu povo, e Kazuha sabia o que vinha depois, e sabia a ira que isso traria, agarrando a mão da fada para contê-la.

"Apenas para serem traídas, mesmo com décadas treinando-o para ser seu protetor, ele não hesitou em sussurrar para um caçador onde os frutos mais caros estavam guardados: ensinou-o a como vencer as fadas. E de repente, perder um olho parecia um preço muito barato a se pagar por quinhentas fadas mortas."

Aquilo não era mais um entretenimento para os amigos, agora era um estudo: quem sabia de tudo aquilo? — Quem os trairia daquela forma?

"E então a mãe deles os puniu costurando-lhe os olhos, obrigando os gêmeos a se guiarem pela própria magia até que ela decidisse quando poderiam enxergar novamente — O que só aconteceu três anos depois"

—Quem foi o filho da puta? — Lia exclamou, agarrando a mão do irmão que encarava o chão, deprimido com as lembranças. Mas ninguém respondeu, todos atentos demais.

Quando a noite finalmente caiu, o último episódio abriu as portas do inferno da mente de Rue: um episódio sobre ela, o mais longo, o mais detalhado. Um desmembramento lento de cada trauma vivido.

"E finalmente, a autoproclamada "Fúria de Otsana", Ruelle Andraste, o demônio dos vivos. Nascida como punição divina, a criatura misteriosa assola o mundo em caos e massacre desde seu nascimento, ou você já conheceu sua gêmea?"

"Duas irmãs condenadas pela própria magia, amaldiçoadas com um feitiço de restrição que com o tempo, reduziria o seu poder destrutivo a apenas migalhas do que um dia foi. Ruelle era a gêmea mais medrosa, e talvez isso explicasse porque deixou que a irmã morresse em seu lugar."

"Em uma noite, induziu que a irmã fugisse dos braços protetores da mãe para desaparecerem em meio a uma tempestade de neve, sabendo que uma das duas morreriam. Ruelle fugia com sua irmã que havia se ferido e seu único ato foi apenas para se salvar, empurrando-a contra os soldados que as procuravam, deixando que se distraíssem para que ela escapasse ilesa."

"É no mínimo interessante como uma figura tão poderosa como se mostra, tenha sido tão covarde naquel-"

Foi Kazuha que não pensou duas vezes antes de desligar a televisão, mas nada impediu o silêncio constrangedor e pesado de se estabelecer, todos olhando para Rue, esperando alguma reação dela.

-Rue... - Kaz tentou, vendo que ela mal parecia respirar, congelada nos próprios sentimentos, mas ao ser chamada, pareceu acordar, levantando-se sem dizer nada, deslizando a mão pela gaveta e agarrando sua máscara, deixando claro que não voltaria cedo.

—Quem sabe de tudo isso? — Lysandre questionou com o cenho franzido, encarando as próprias mãos — Será que a Kenna..

—Não, a Kenna nem sabe de tudo isso e deixou bem claro por que estava lá, quem fez isso sabe muito mais do que nós sabemos — Talon defendeu a amiga, mas também jurou de morte aquele que os tinha dedurado, a ameaça fria num tom de voz cortante.

E na preocupação, ninguém notou as lágrimas silenciosas escorrendo pelo rosto de Darya ao saber que dormia debaixo do mesmo teto que uma das maiores ameaças à sua raça.

—Eu não sabia que ela tinha uma irmã — Lysandre finalmente notou levantando o olhar, Melione também tinha a dúvida clara no rosto, respondendo a pergunta implícita do amigo — Kaz?

—Não foi isso que aconteceu — Foi a única coisa que ele falou, sabendo que era a única pessoa que sabia de tudo sobre Ruelle.

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora