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As coisas em Notremor pioraram muito rapidamente, nada parecia no lugar e a maior parte dos novatos pareciam fantasmas de guerra, todos constando com ferocidade que nunca mais lutariam em suas vidas.

Sorscha fazia de tudo para esquecer que Ares tinha falecido e uma dessas coisas incluía tentar lembrar de como Andrômeda tinha crescido tão rápido, finalmente alcançando a idade mental que seu corpo pedia.

Pela primeira vez, se preocupou com roupas que combinavam ou não, reclamou da própria aparência pelo menos uma vez, mas sempre acabava caminhando como se merecesse o mundo na palma da mão.

Ezekiel sempre estava em seu encalço, mas sua aura de flerte parecia ter sido completamente substituída pela personalidade cuidadosa, ambos lidando com a perda juntos.

Com pouco tempo de conversa, Sorscha já tinha Ares na cabeça novamente, pensando que se o garoto tivesse um pouco mais de tempo para perder o preconceito, ele e Zeke teriam se tornado bons amigos.

Sato, Circe e Cory tinham se tornado o mais próximo possível de uma família naquela situação e Kenna tinha aceitado estar ao lado delas. Um novo começo, uma nova vida que ela aceitaria com prazer.

Lia nunca confessaria, mas era Macaria, batendo na porta do quarto dela toda manhã e conversando com ela até que o azul do céu se tornasse um breu cheio de estrelas, que tinha feito-a se distanciar um pouco de afundar numa melancolia incessante.

Eram os olhos gentis, os sorrisos doces e afagos que tinham deixado a Sombria um pouco mais feliz, assim como Macaria tinha aceitado viver seu luto silenciosamente ao lado de Lia.

A cura tinha vindo para alguns, mas feridas antigas e amaldiçoadas como as de Sage, não curavam com o tempo, apenas pioraram. A jovem Andraste tinha parado de sentir até mesmo suas pernas, cinzentas e moles com a circulação de sangue profano, Alexina e Malaika tinham decidido fazer companhia para ela com a ajuda de Nesryn e Melione para poções para anestesiar a dor da criança.

—Ela piorou muito rápido — Malaika falou, encarando Sage que quase desaparecia entre a cama e as cobertas — Não come, não dorme e os poucos cochilos que ela tem, acorda gritando de dor.

—Posso tentar tirar a maldição dela ou procurar outro ser místico para salvar ela — Morrigan sugeriu, triste em ver aquele milagre desaparecer em seus olhos.

—Ela não quer, eu tentei — Aika esclareceu e os olhos claros pareciam afetados, doloridos ao assumir — Ela só fica dizendo que sente falta de voar e que queria ver você antes de ir.

—Ótimo, estou aqui — Respondeu entrando no quarto. A verdade é que Morrigan só não queria aceitar o que estava ouvindo.

A jovem Sage pareceu sentir a presença divina de Morrigan, se virando para ela com um sorriso choroso ao vê-la se sentar ao lado dela na cama de dossel, admirando com carinho a ausência da maldição.

—Me contaram que você queria me ver — Mor revelou, passando as mãos pelos cabelos ruivos, oleosos e sujos, o laranja se destacando na pele negra retinta quente.

—Seus olhos são lindos — Admirou com os olhos cor de ouro marejados, emocionada — Sentia a sua falta, muito.

—Imagino — Ela sorriu com carinho — Tem certeza que não quer tentar mais? Com todos os meus poderes agora eu posso...

—Eu tô cansada de lutar — Murmurou, a dor insuportável fazendo a voz tremer, fraca. — Eu só não queria morrer sem ver você bem de novo.

Morrigan pensou consigo por um momento, não queria ser obrigada a deixá-la ir, mas conforme relembrava do próprio passado e de como tinha sido doloroso chegar até a vida adulta.

Sinceramente, não culparia Sage por querer desistir, ela desistiria se tivesse a chance antigamente.

—Você me disse uma vez que queria voar de novo, não é? — Comentou, vendo-a assentir, os brilhos retornando olhos dourados. — Quer voar agora?

No minuto seguinte, todos estavam do lado de fora, observando a verdadeira magia de uma Andraste sangue puro. Ela estava com a criança no colo, agarrada ao seu pescoço quando ela respirou fundo e deixou aquela energia fluir para fora e tomar forma do que um dia lhe tinha sido brutalmente retirado. Esse era o poder da regeneração — da criação.

Duas gigantescas asas azul mar se estenderam com as extremidades das penas em dourado. Aquela visão poderia fazer um anjo chorar com tamanha beleza... porque Morrigan parecia um anjo naquele momento, quando disparou para os céus com a menina no colo.

Lá no alto, ela começou a planar, pegando a menina pela cintura e deixando-a ver o chão, achando fofo os braços finos estendidos para sentir o vento. E por um momento, Mor fechou os olhos e sentiu a brisa desse mesmo vento contra o seu rosto, e percebeu que também sentia falta dos céus, da paz e do frio reconfortante do alto. E mais do que isso, sentia falta da irmã voando ao seu lado.

Agradeceu pelo foco de Sage na vista, porque as lágrimas escorriam pelo rosto negro, movidas pela repentina possibilidade de poder ver a irmã viva novamente, poder voar ao seu lado.

Mor abriu os olhos, observando os prédios e as casas, os bosques e as cidades que pareciam pequenas lá do alto. A menina fechou os braços, um pedido silencioso para ser virada para Morrigan abraçando-a e sussurrando algo aterrorizante em seu ouvido. Confessando um medo, fazendo dois últimos pedidos que mexiam com a cabeça de Mor. Que faziam ela perceber o quanto aquela criança precisava crescer antes da hora.

"Quero que Kaz absorva todo o meu poder, e não deixe sobrar nem mesmo as cinzas"

E assim foi feito.

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora