Era no mínimo preocupante a velocidade com que a energia de Ruelle se regenerava, mas era bem pior do que parecia. A dor lancinante na ponta dos dedos que pareciam afundados em ácido puro conforme a própria Natureza lhe devolvia sua magia seria um eterno incômodo.
Mas Rue sabia que a imortalidade tinha um limite, e que perdia séculos de vida toda vez que ultrapassava o limite — e não podia deixar de se perguntar quanto tempo tinha antes de seu corpo tornar-se pó de um momento para outro.
Ruelle não sabia exatamente onde estava quando acordou naquele pequeno quarto de uma casa de madeira, e logo se pôs a caminhar, curiosa pelo cheiro que o lugar tinha. Seus pés se arrastavam, ainda um pouco cansada pelo chão irregular, até que ela chegou na sala e viu as duas espadas penduradas na parede e perdeu completamente o fôlego
Era a primeira vez que via Conduítes, sempre ouviu sobre ferramentas amplificadoras, condutores de magia... mas nunca tinha visto uma pessoalmente. Aquele trabalho era espetacular, duas katanas ainda embainhadas, mas ao mesmo tempo que pareciam idênticas, eram nitidamente diferentes. A da direita erguia-se em dourado como o nascer do sol, decorada com uma espiral de ouro na base e na ponta e nuvens desenhadas. Ruelle não pôde evitar de passar o dedo pelas runas e ler ali: Seladora.
E então comparou a outra bainha que erguia-se em roxo tão escuro que parecia preto, a mesma espiral, só que em prata, e as nuvens variando-se entre azul marinho, roxo e branco, Rue novamente sentiu o relevo das runas gravadas ali e leu: Caçadora.
Quando Ruelle sentiu o ardor nos olhos, soube exatamente de quem era aquela casa, e depois de 821 anos sem vê-lo, ficou surpresa por reconhecer aquele trabalho.
—Achei que estivesse morta — Nathaniel, seu irmão mais velho, falou atrás de Rue, fazendo-a se virar bruscamente para vê-lo.
—Engraçado... eu ia falar a mesma coisa sobre você — Ela apontou com um pequeno sorriso, lhe erguendo a mão. Não era tola, lembrava sobre a repulsa que o irmão sentia por abraços.
—Vão fazer mais de 800 anos que não nos vemos, para com isso — Ele afastou a mão dela, puxando-a para uma abraço quase sufocante, e ela se aconchegou ali com um pequeno sorriso — Eu senti tanto a sua falta.
—Eu sei que sentiu — Rue brincou, apreciando aquela presença reconfortante, a lembrança que tinha alguém com quem compartilhar o fardo da família, mas também era lembrar que havia alguém que não a via como uma divindade ou monstro: apenas família.
Mas ainda tinha um gosto estranho na boca, saber que aquelas espadas deveriam ser de Mor e Kam, mas agora tinha restado apenas Rue para admirar a beleza na arte do irmão.
Do lado de fora, Kaz ainda a procurava, vasculhando a floresta em busca de qualquer vestígio que havia de Ruelle, sem conseguir achar nada além daquela energia incômoda do mago que havia morrido alguns metros atrás.
Então ele notou aquela cabana no meio do nada, e nem mesmo pensou duas vezes antes de bater na porta, encontrando um homem que talvez fosse até mais alto que ele, olhando-o com um julgamento letal pelos olhos azul marinho.
—Cadê a Ruelle? — Ele perguntou, repentinamente, algo no rosto do desconhecido que fazia Kaz ter certeza que ele tinha algo a ver com o desaparecimento da amiga.
—O que faz você achar que eu a tenho comigo? — Ele franziu o cenho, mas Kazuha notou o exato momento que Ruelle apareceu no fundo.
—Bom saber que você ainda é terrível mentindo — Rue zombou, repreendendo a mentira mal planejada do irmão mais velho.
—O que...? Por que não voltou pra casa? Quem é ele? Que surto foi aquele na praça? — Kazuha disparou tantas perguntas e gesticulou tanto com as mãos que Nathaniel desviou o olhar dele, encarando a irmã com suspeita e um sorriso cafajeste que deixava claro os seus pensamentos.
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Noite Eterna, Coração Etéreo
RomanceRuelle é uma entidade criada para proteger o mundo, mas talvez o amor cegante possa comprometer sua missão e fazê-la destruir tudo aquilo que ela nasceu para preservar. Satori é uma jovem adulta com grandes poderes, mas talvez nem todo o poder do mu...