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Ares e Sorscha se entreolharam de tempos em tempos, queriam falar, mas também queriam dar o tempo de Andrômeda. Mas a curiosidade e a pena estavam estampados em seu rosto.

Ela parecia mais madura, mas mais confusa do que um dia estivera. Eles se surpreenderam quando Morwenna e Lazarus trouxeram uma Andy que os olhavam como se todos ali fossem possíveis refeições.

—Andrômeda? — Sorscha foi a primeira a ter coragem de falar algo, desistindo de dar o tempo da garota, esperando que chamá-la fosse acordar ela de seja lá qual transe estava.

Quando a garota de cabelos azuis ergueu o olhar finalmente, estavam mais vermelhos que nunca, cruéis, frios. Aquilo calou Sorscha, que recuou alguns passos ao notar que aquilo não era sua amiga.

—Você está segura agora, Andy — Ares tentou, franzindo o cenho tatuado com confusão nítida.

—Segura? — Ela sorriu — Eu sempre estive segura, vocês que nunca estiveram, dev...

Ela congelou por um momento, Ares olhou para Sorscha com alerta antes de ambos olharem Andrômeda no momento em que a sua cabeça se chocou com a barra de metal com tanta força que a garota dragão soluçou.

—Andrômeda, para com isso — Ares ordenou quando a viu continuar batendo com a cabeça. Ela o ouviu, se distanciando com um olhar exasperado.

—Ela não cala a boca! — Andy choramingou com os dedos enfiados na raiz, quase arrancando-lhe os cabelos — FAZ PARAR.

—Você tá com dor? — Sorscha se aproximou das próprias grades — Isso doi?

—Eu tô com tanta fome — Ela chorou, mas tinha em seus lábios ressecados, um sorriso cínico. — Isso só quero comer.

—Mas isso não é você — Ares insistiu, mas Sorscha murmurou algo em alerta quando o viu caminhar para o lado oposto da cela dela, chegando perto o suficiente para que conseguisse colocar a mão entre as grades de Andrômeda — Pega a minha mão, Andy.

—Tira essa mão — Ela gritou se jogando para um canto afastado da cela, hipnotizada pelo cheiro de vida que ele exalava, os olhos cintilando com tanta fome que o amigo hesitou.

Ele pensou que ela pudesse se controlar ao lembrar quem estava ao lado dela, mas era a primeira vez que a via realmente perdida, como se ela estivesse travando uma batalha interna ao se encolher, as mãos ao redor da barriga.

—Ela tá se cortando? — Sorscha questionou com um olhar alarmado, as mãos agarrando as barras da grade com tanta força que ela não pôde deixar de se perguntar se poderia arrancá-las — Por Otsana! Ela tá se machucando, Andrômeda, para com isso!

Ares não tinha reparado por falta do olfato não tão apurado quanto das amigas, mas viu as garras da amiga se enterrarem no estômago, o sorriso se tornando agonizante conforme os olhos tremiam com lágrimas de pura dor.

—Por favor, tira essa mão de perto de mim — Andy soluçou — Eu não sei o que fizeram comigo, mas eu não confio em mim agora.

Ela parecia tão mais madura que Ares se sentiu obrigado a tirar aquela mão, mas permaneceu sentado naquele canto, ao alcance de Andrômeda, porque não havia pânico ou descontrole que o fizesse temer ela.

—Respira fundo, ignora o nosso cheiro — Sorscha era sempre a melhor em acalmá-la, lançando uma faísca para as tochas — sente o cheiro do queimado.

Andrômeda inspirou e expirou lentamente, deixando que os pulmões e garganta fossem sufocados pelo cheiro de álcool queimando nas tochas sempre reabastecidas. Ignorou como a vida cheirava tão doce e apetitosa.

Como o estômago roncava e como uma fera que, outrora espreitara sob sua pele, estava mais na superfície que nunca. Era como se ela pudesse se cortar e veria, no lugar do sangue, olhos.

—O que eles fizeram com você dessa vez? — Ares perguntaria, estava cagando para a promessa que tinha feito para Sorscha sobre nunca perguntar. Ele precisava saber.

Ele viu quando Andrômeda respirou fundo e os dedos esguios com as pontas úmidas do próprio sangue desamarraram os guarda-braços de couro, afrouxando-os o suficiente para que escorregassem das mãos, mostrando-lhes as veias que ainda cintilavam com uma cor fraca de verde-neon.

E Sorscha nunca viu Ares tão enfurecido, com um olhar tão letal que ela ficou com medo de que Misha fosse cair morta apenas pela tensão. Ela sentiu as barras tremerem, sujeito ao temperamento do garoto.

—Eles me acharam fraca, queriam melhorar minha força — Ela balbuciou, alheia a como aquilo não apenas enraivecia Ares, mas como aquilo fazia a lava dentro de Sorscha cintilar mais ardente, as poucas escamas em seu ombro e pescoço brilhando num contorno dourado.

—Isso é insanidade! — Sorscha riu com acidez, andando de um lado para o outro — A gente precisa sair daqui! — A realização a atingiu como uma amarra sufocante — A gente não pode ficar aqui, não importa o motivo.

—Não me digam que ainda acreditam que os Andraste virão nos buscar, por favor — Andrômeda falou para a surpresa de todos. A acólita mais fiel estava contrariando sua fé com tanta recorrência que os seus amigos ficaram surpresos — Eles fazem isso porque querem chamar a atenção deles, não porque se importam.

—Eles só estão sob o feitiço que Misha disse, a culpa não é deles, precisamos sair mas... isso não significa que pararemos de acreditar na Andraste — Sorscha tentou intervir. Sabia muito bem que se a amiga perdesse a fé, perderia a única coisa que mantinha tudo aquilo com sentido, mesmo que, para manter a amiga crente, ela precisasse mentir para si mesma — Eles nos veem e tentam zelar por nós, a culpa não é deles, os Neera não estão no seu melhor momento, apenas isso.

—Então quando eles estiveram? — Andrômeda se aproximou bruscamente das grades com uma fúria adulta, não parecia mais a mesma criança que tinha ido para aquela sala — Eu os espero faz 19 anos, eu não vou mais perder sequer um segundo da minha vida acreditando que os Rúnicos fazem isso — Ela ergueu os braços ainda levemente necrosados com verde — Por um motivo maior.

—O que fizeram com você? — Ares questionou com surpresa, os olhos violetas tão doloridos que Andrômeda hesitou por um momento, olhando para o chão.

—O que eles não fizeram comigo — Ela deu de ombros.

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora