9.2

1 0 0
                                    

Rue só pôde assistir um portal se materializar do absoluto nada, ela sabia onde daria e nem mesmo pensou duas vezes antes de saltar.

Kaz não sentiu o impacto da flecha que estava preparado para receber, porque Ruelle garantiu que a receberia por ele, certeira, sem volta, sem uma poção de cura, sem uma chance de sobreviver àquilo, e foi na morte iminente que a garota se sentiu mais viva.

Todos congelaram ao ver aquilo, O mundo parecia sentir sua perda e mesmo aqueles mais distantes, sem contato nenhum com o que estava acontecendo, sentiram.

—Peça para eles se retirarem — Inara pediu para Morwenna, o rosto oculto pela túnica cor de sangue, mas a tirana nem mesmo olhou para a sacerdotisa, olhando para o céu azul que escurecia repentinamente.

—Podemos matar todos eles agora mesmo, por que quer bater em retirada? — O arqueiro questionou curioso e observou aquele sorriso ardiloso nos lábios da mulher.

—Eles já estão mortos, vão se destruir sozinhos sem ela — Confessou a verdade — Agora mande seus homens saírem daqui.

E assim foi feito, sinais espalhados entre eles os fizeram desaparecer nas árvores.

Kazuha observou Ruelle à sua frente, ainda de pé, e deixou-se pensar que a flecha era mentira, que não funcionaria nela... até um passo vacilar, e apenas o som dos pés de Rue tentando se manter firme na grama ecoavam.

Até que ela caiu, e junto com ela, todo o mundo de Kaz

—Não — A palavra ecoou pelos lábios de Kazuha — Não. Não, não, nãonãonãonãonãonãonãonãonão!

Tudo parecia em um silêncio profundo, quase como se estivessem congelados naquele momento, mas a mente de Kaz gritava um som que cortava os céus, e aquele terror nos olhos desesperados de Kazuha não fora saboroso nem mesmo para Ezekiel, que sentiu-se enjoado e completamente atordoado... igualmente desesperado.

Era perder a si mesmo. Porque repentinamente não importava, nada importava para Kaz além de Ruelle em seus braços.

A morte não era imediata, Rue sempre soube que não seria, mas sentiu aquela dor que Sage descrevia, a dor da fraqueza, da impotência de ver a própria alma arranhar o corpo para sair, implorando apenas para que a morte viesse rápido.

—Achei que morrer doeria mais — Ruelle brincou ignorando completamente a garganta em chamas, porque mesmo naquele momento, queria fazê-los parar de chorar, pela primeira vez, queria realmente ser Morrigan.

Tinha fingido por tempo demais, tinha sido rancorosa por tempo demais... não queria mais ser aquela pessoa, ao menos não agora, não encarando os olhos rubros do amor da sua vida completamente embebidos de tristeza, de um medo que ela nunca tinha visto.

Melione parecia completamente petrificada como uma criança assustada. E finalmente entendeu qual era o destino de uma necromante puro sangue. Via ali, uma pessoa forjada para ser invencível, mas além disso... a primeira pessoa que tinha a protegido, a primeira pessoa que a fez se sentir mais do que um erro. A que lhe ensinou a diferença entre progenitora e... mãe.

—Não faz isso comigo, Mor — Kaz chorou, dificultando até mesmo que Rue não chorasse, forçando-a a fungar para conter a própria emoção - A gente ainda nem explorou Notremor juntos, a gente ainda não foi na cidade espelhada que queríamos, não voltamos para casa ainda. — Listou desesperado, como se isso fosse fazê-la ficar, porque ele só queria isso.

Queria que ela ficasse, queria que tudo aquilo fosse uma gigantesca piada, só queria que fosse mentira.

—Para com isso — Ruelle pediu com os olhos marejados, repletos de lágrimas que ela já não conseguia mais conter. Não queria aquela tristeza, queria sorrir uma última vez, queria aquela maldita saída triunfal — Não me faz ir embora assim — Ela pediu, e mesmo sentindo a visão turva tomada pelo veneno, ela levantou a mão para tocar o rosto de Kaz limpando as lágrimas do rosto pálido e sujo. — Me deixa ir embora nos braços da única pessoa que eu realmente amei.

—Eu ainda nem consegui te mostrar o quanto eu te amo, Mor — murmurou com a voz embargada, agarrando a mão da mulher em seu rosto como se aquilo pudesse fazê-la não ir embora. Mas no fundo, sabia que não tinha outro jeito, não entendia por que, mas sabia que não havia outra forma. — Por favor... — Implorou.

—Eu te amo, seu idiota — Ela sorriu brincando, mesmo no meio de toda aquela profunda melancolia e dor que a consumia, mesmo que sentisse os ossos queimarem — Te vejo amanhã?

—Te vejo amanhã, coisinha — Ele finalmente entendeu, abraçando-a contra si e sentindo a força dela se esvair, e mesmo que soubesse que não havia como impedir, quando sentiu os braços dela caírem, anunciando a sua morte.

Aquilo o devastou, mas não foi o único.

Lia estava olhando para Melione quando a necromante abriu a boca e gritou.

O som estridente parecia capaz de derrubar árvores, de alguma forma fazia a Lia se sentir doente por um momento quando viu Mel cair de joelhos na grama, as suas mãos agarrando a terra enquanto o som doloroso parecia ecoar entre os vivos e os mortos.

E ecoou.

Um a um, todos os mortos ao redor deles se levantaram, agarrando as próprias armas, brilhando como se realmente estivessem vivos, Ares estava de pé, o corpo chamuscado de Maven... de pé, prontos para lutar.

Cacem eles — Melione murmurou tirando os olhos do chão, olhando para o horizonte arbóreo.

—Cacem todos eles — Felix ordenou.

Do outro lado da arena, Morwenna caiu de joelhos, chorando no meio do trajeto.

—Levante-se, vamos embora!

—Não tem como... divino seja o sangue de Otsana... o que fizemos?

—Como assim não tem como? — Inara se aproximou com os olhos rosa arregalados.

—A floresta — Morwenna apontou para os morros que se erguiam e as árvores que se entrelaçaram e formaram um muro — Ela nos prendeu aqui.

—Desfaça isso — Inara ordenou, agarrando a sacerdotisa, apenas para ser impedida por um elfo gigantesco que se colocou entre as duas — Desfaça!

—Cometemos um erro por sua causa, e agora todos nós pagaremos com a vida. — Foi o que a voz profunda e melancólica de Lazarus disse.

—Vocês já sabem o que fazer — Felix ordenou para todos os guerreiros ao seu redor e eles espalharam-se pela floresta com um vigor renovado para matar: sede de vingança.

Ninguém percebeu que Lysandre estava petrificado, encarando o amigo com Ruelle ainda nos braços... pensando que maldito detalhe ele tinha deixado passar.

Porque ele não estava usando os poderes, a floresta estava respondendo ao Felix.

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora