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As noites sem patrulha eram sempre as coisas mais perigosas: os pupilos de Kinessa eram tão sufocados que precisavam agir como adolescentes comuns.

E talvez por isso eles gostassem tanto de quebrar um pouco as regras, invadir locais fechados e explorar a Academia como se fosse uma casa abandonada. Porque Sato, mesmo em cinco anos estudando naquele lugar, não conhecia metade daquela gigantesca catedral.

—Cara, a sua irmã é maluca — Willa se frustrou, arrancando mais uma cerveja do fardo.

—Denara só quer meu bem — Ambrosia tentou convencer mais a si mesma que os verdadeiros amigos — Depois que ela virou Conselheira das investigações, ela ficou meio pirada.

—Ela age como se você tivesse dez anos. — Cordelia a lembrou com uma apatia fria — Tipo, ela literalmente mandou você parar de andar com a gente!

—Ela só é devota! Acha que eu sou muito manipulável — Amber murmurou, mexendo os dedos no colo, observando as unhas pintadas de azul tão celeste quanto seus olhos.

—Ela é uma irmã de merda — Willa ralhou, seu rosto belo contorcendo-se numa carranca

—Disso eu entendo bem — Satori bufou, dando um longo gole direto da garrafa transparente de vodca antes de passar para a namorada ao lado. Os amigos riram, mesmo com culpa por tudo o que sabiam sobre as brigas constantes de Circe e Sato.

—Mas sério, isso é viadagem — Orion assegurou, passando as mãos pelos cabelos pretos que já desbotava da tinta, a raiz laranja como labaredas de fogo sobre a luz branca fria e fraca da sala. —Porra! Você que fez a gente questionar sobre os Neera pela primeira vez, ela achar que você é besta é sacanagem!

—Verdade, né? — Ambrosia devolveu-lhe com um pequeno sorriso, olhando para os amigos na roda — Mas... eu realmente acredito nisso.

—Que eles não são maus? —Macaria questionou, o cenho franzido em dúvida.

—Olha, não sei vocês, mas Melione parecia bem má no dia que me sequestrou.

—Vai ver ela só queria te assustar: cê quase matou um cara, né.

—E quase matar ele já foi assustador o suficiente — Sato respondeu para Ezekiel, que riu com a careta da amiga — Tá rindo porque não foi com você.

—Óbvio — Ele respondeu, os olhos marfim se revirando em pura sátira: ele era o único que realmente aparecia nas escapadas noturnas com a intenção de ficar bêbado. — Primeiro que eu nem corro risco de matar alguém.

—Gente, nada de briga! — Cordelia respondeu antes que Satori pudesse responder.

—É verdade: você que vá brigar com o seu outro grupo de degenerados, aqui é só paz e amor — Macaria assegurou com um sorriso sonolento.

—Paz e amor — Satori riu, levantando-se — Fala isso pra coitada da Amber. — A lembrança podia causar o arrependimento que fosse em Aria, mas os amigos nem mesmo disfarçaram a risada: até mesmo Ambrosia se divertia com a lembrança humilhante de ter sido derrotada em menos de cinco minutos na prova final.

—Você já vai? — Cordelia perguntou, levantando junto.

—A gente não ia naquela escada esquisita da Ala norte? Já são onze horas. — Sato lembrou, os amigos levantando no embalo e levando consigo as garrafas e copos.

E deixaram a sala de estudos, substituindo-a pelos corredores escuros e sombrios do térreo, iluminados pela luz quente das esferas que Macaria conjurava, seguindo-os como um holofote.

—A gente já desceu essa escada? — Satori notou a porta de grades enferrujadas, o prata transformando-se em ferrugem laranja.

— Puta cheiro de tétano, você quer entrar aí mesmo? — Willa perguntou, respondida quando Maven se espremeu entre os amigos e abriu a porta com um rangido tenebroso, limpando freneticamente as mãos na jaqueta jeans preta.

—O que pode dar errado? — Ezequiel murmurou para si mesmo, também descendo as escadas, sendo seguido pelos amigos e deixando WIlla por último.

—Vai ficar escuro aí em cima — Macaria gritou para a garota, que prendia os cabelos verde musgo como se estivesse preparando-se para descer, andando em passos rápidos antes que a luz parasse de iluminá-la.

—Como a gente não veio aqui antes? — Maven notou, observando como um outro mundo se erguia depois dos cinco curtos degraus.

—Isso tá me dando medo — Ambrosia murmurou — Parece que a gente voltou no tempo.

—Mas é gostoso aqui — Cordelia indicou o centro da sala extensa, repleto de almofadas como se eles não fossem o primeiro grupo a querer festejar ali.

—Gostoso? Tem uma estátua da Inara aqui! — Satori indicou, apontando para a parede da frente, onde uma estátua relativamente grande erguia-se em uma alcova: eles conseguiam sentir a virtuosidade maliciosa nos olhos esculpidos no mármore, subjugando todos ali com a diferença de altura.

—Que esquisito — Cordelia observou, conforme se aproximava.

—Imagina ela na vida real! Ela devia ser...

—Gostosa? — Ezekiel respondeu com tanta convicção que os amigos pararam o que estavam fazendo para encará-lo.

—Tenebrosa, Ez — Cordelia corrigiu, virando-se novamente para o monumento.

—Olha a mãozinha dela estendida — Ambrosia aproximou-se zombando da estátua com toda a raiva que reprimia sobre Inara e sua história mal contada — Acho que você tá precisando de uma bebida, pode pegar aí.

A garota levantou o fardo de cerveja pela metade e colocou nas mãos de Inara. Mesmo que a maior parte não tenha achado graça, Orion e Ezekiel grasnaram uma gargalhada, enquanto Sato e Maven se encaravam com a boca coberta, tentando conter um riso baixo.

Mas quando o primeiro estalo soou, todos ficaram em silêncio.

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora