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O dia seguinte era especial para Ruelle: solstício de inverno.

Não pela ocasião, mas pela tradição de uma tribo que tinha acolhido Kamari e Morrigan com tanto amor e carinho que elas se sentiam na obrigação de manter as tradições entre si.

E uma delas era o suiwehuilardding, ou huil apenas — o que Rue e seus amigos achavam bem mais fácil do que aquela língua complexa e antiga que talvez sequer existisse mais.

Durante a manhã, o grupo foi deixado para observar Ruelle repetir a mesma coisa que fazia desde que o grupo se forjara. Nunca tinham entendido o motivo, mas pela primeira vez em quatrocentos anos fazia sentido: Nathaniel ajudava-a a encher o ponto rodeado por pedras, de galhos e troncos, era uma tradição.

—Por que não apenas... conjuramos lenha? — Ethan perguntou conforme carregava uma porção de galhos.

—Porque ela quer manter a humanidade — Nathaniel o respondeu num murmúrio — Na tribo vizinha, falavam que o fogo purifica, e ela acha que o auge dessa purificação fazer tudo como os humanos faziam, é como uma maior religiosidade ou algo assim.

—Ah... mas não acho que seja muito humano aquele tronco que ela tá carregando como se fosse uma pena — O homem brincou, fazendo o irmão de Rue rir ao ver a cena.

Mas o tempo todo, Sage permaneceu encarando o vazio sentada no deck, abraçada aos próprios joelhos, com aquela mesma expressão preocupada, agarrada à pulseira de conchas que Melione lhe tinha comprado durante a visita no centro da cidade.

Mas ela gostou, ficou encantada com as risadas, mas muito desconfortável quando Darya decidiu que gostaria de se tornar amiga de Sage - que tinha decidido bem cedo que não gostava do seu senso de justiça totalmente distorcido.

Não quando ela quase morreu por causa daquele mesmo senso de justiça de um por todos.

E talvez por isso sequer conseguira disfarçar a mudança brutal de expressão quando Darya saiu de casa e sentou-se ao lado da garotinha traumatizada.

—Você tem um cabelo lindo — Darya elogiou os cabelos rubros de Sage, que nem mesmo a olhou para responder.

—Eram mais lindos antes — Murmurou. Sentia falta do cabelo longo, obrigada a conviver com os pequenos cachos que mal chegavam até o pescoço.

—Olha, eu entendo a dor que voc-

—Eu não lembro da minha infância — Sage a cortou — eu nunca tive tempo para ser uma criança, realmente me entende mesmo?

—É que...

—Alguém já teve a decência de te falar que ficar mais próxima de mim não vai te tornar mais parecida com a Ruelle? — Atirou impiedosamente, os olhos dourados fervilhantes. Aquilo sequer era o que Sage desejava falar, mal passando de um bruto descontrole dos poderes perfeitamente ligados ao descontrole da própria língua. Não existiam máscaras para a garota, nenhum mentira ou intenção mascarada: tudo era óbvio — O tempo passou, ele não se acha digno do amor de Rue e escolheu você pra brincar de casinha, mas o sentimento dele cresceu o suficiente para ele não sentir nada quando te toca e eu sei que isso incomoda mas a culpa não é minha se o único motivo que ele vê em você viva hoje é aliviar um pouco da culpa que ele tem por ter sido a causa da sua morte.

—Tudo bem por aqui? — Melione perguntou assim que notou os olhos marejados de Darya por algo que Sage tinha dito. A resposta que teve foi ver a fada levantando e entrando dentro de casa enquanto a menina parecia acabar de sair de um transe.

—Eu não queria ter dito aquilo — A menina confessou encarando o chão, mas com as mãos na cabeça, agarrando aos cabelos — Eu não queria ter dito aquilo, eu juro.

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora