Macaria tinha sorte de ter aquele trabalho na cafeteria da cidade vizinha, não tanto pelo dinheiro que a mantinha à beira do luxo, mas por acordar às cinco da manhã com um humor renovado — apesar da maldita ressaca.

Ela se deliciava com um café da manhã reforçado no refeitório quase deserto.

—Ei, Ezekiel, o que tá fazendo de pé tão cedo? — Macaria chamou, nunca tinha parado para prestar atenção no garoto, sempre cumprimentando-o com alguns acenos de cabeça. Ela decidiu que era uma boa hora para conhecê-lo.

—Tive ronda ontem de noite — Ele ofegou, sequer se importando em perguntar antes de sentar-se de frente para a garota naquela mesa triangular.

—Percebi, você parece um morto-vivo — Ela zombou, oferecendo-lhe um pouco do próprio café — Tem... sangue na sua camiseta.

Ela parecia ter tocado num tópico sensível, pois viu os olhos marfim dele se encherem d'água e ele olhando para cima, tentando conter as lágrimas. Macaria se endireitou na mesa, sabendo que aquela conversa não terminaria bem.

—Eles pegaram a Adeline — Ele respondeu, a voz profunda e grossa tremendo.

—Eles mataram ela?

—Não sei, eles só... levaram ela, arrastaram Addy pela rua e eu não consegui fazer nada — Aquilo era um lembrete implícito: ser de "elite" não significava muita coisa na prática, talvez apenas um título que os classificava como os melhores entre os piores.

—E você falou com o Grande Círculo? Tenho certeza que eles podem ajudar — O Grande Círculo não era um lugar, mas um conjunto de heróis considerados "formados" pela Academia, como os treinadores ou todas as pessoas que tinham broches dourados.

—Eles não querem ajudar, estão dando ela como morta — Respondeu, apoiando os cotovelos na mesa e escondendo o rosto com as mãos.

—Cara... eu sinto muito — Macaria estava sendo sincera, não porque gostava de Adeline, mas porque sabia como devia ser desesperador perder um parceiro de treinamento: a garota não sabia o que seria de si caso algum dos seus amigos "morresse" dessa forma.

—Eu vou dar um jeito nisso, tá legal? — Macaria não fazia a mínima ideia por que se comprometera a fazer aquilo, mas garantiu de qualquer forma antes de sair do refeitório — Vai dormir um pouco, é sábado.

Ruelle gemeu de dor ao ser açoitada pelos galhos e folhas secas durante a sua corrida, mas nada a fez parar de correr, ela sentia pedras e espinhos encravando-se na sola do pé, arrepiando-a de dor a cada passo, mas ela tinha certeza de uma coisa: ela não podia parar de correr.

Ela sabia que algo a perseguia, como se a sua nota queimasse com a sensação de ser observada, não por alguém. Mas por algo. Sentia o hálito quente no seu ombro, o fedor de carniça que o cheiro de grama cortada e lama não conseguia amenizar.

Ela olhava para os céus entre as folhas gigantescas dos pinheiros que pareciam se erguer eternamente e via o dia e noite durar segundos, o sol e a lua aparecendo e desaparecendo em um piscar de olhos, tal qual a luz fazia.

—Morrigan? — Era uma criança, uma voz fina e feminina, jovial que ecoou entre as árvores, chegando até Ruelle, perfurando-a como uma maldita lança em seu coração. — Você conseguiu me achar.

—QUEM É VOCÊ? — Rue gritou tão alto que ela podia jurar que as árvores se sacudiram. As palavras ecoando de volta como se alguém gritasse do outro lado, junto com ela.

No momento seguinte, sentiu algo úmido no rosto, mas não chorava lágrimas, era sangue. sangue escorria dos seus olhos, do seu nariz. Ela sentia o gosto metálico a desorientando.

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora