2.6

3 1 0
                                    

"São só três horas e eu volto, vai ficar tudo bem" Satori dizia para si mesma conforme encaixava todas as placas prateadas da sua armadura e marchava para fora de Colerum, encontrando Cordelia e seu irmão mais velho, Orion conversando no belo arco que dividia os heróis dos mundanos.

—Demorou muito, fugindo de mim? — Orion notou, os braços cruzados e a pose como se fosse superior á Satori de alguma forma.

—Se eu pudesse — Sato balbuciou de volta — Vai retocar esse cabelo não? Tá uma bosta.

—Vai se foder! Isso é estilo — Ele bagunçou os cabelos negros que quase lhe tocava o ombro, passando a mão pela raiz tão laranja quanto os cabelos de Cordelia, anunciando que os cachos negros não tinham nascido assim.

—Estilo? Você 'tava me contando agora mesmo como está frustrado com o cabelinho — Cordelia entrou na brincadeira, curvando os lábios num sorriso zombeteiro. Orion abriu a boca rosada para falar, mas foi calado por um dedo erguido da irmã, como se as unhas perfeitamente pintadas de vermelho lhe desse mais medo que a morte — Temos uma tarefa, agora vamos andando porque essa merda fica bem longe.

—Claro, senhora — Satori concordou, pondo-se a andar ao lado da namorada, passando um braço ao redor do pescoço dela, puxando-a para perto como se Cordelia pudesse expulsar qualquer demônio que lhe sussurrasse na mente.

Era costume que os pupilos de Alexina e Kinessa se juntassem para serem as sombras dos "heróis", sempre esgueirando-se na escuridão da madrugada para defender o povo daqueles que deveriam defendê-los.

Aquele era o dia de Satori e Cordelia, mas por algum motivo, Kinessa fez questão que Orion acompanhasse o casal. Sato nunca tinha entendido por que o irmão da sua namorada a odiava tanto, mas sentia os olhos avermelhados de Orion queimando sua nuca conforme ela caminhava entre becos até o posicionamento do trio.

—Ás vezes eu acho que o seu irmão só me odeia porque sou mais alta que ele — Sato zombou com as mãos no bolso do cardigan assimétrico que a protegia da geada da tarde.

—Ah sim, isso é mais plausível do que a falta de sexo dele — Cordelia falou alto o suficiente para o irmão ouvir, apressando o passo só para cutucar um dos pés da irmã, fazendo-a quase tropeçar e olhá-lo com raiva.

—Você pediu por essa — Satori riu baixinho quando sentiu a mão da namorada agarrar seu braço para tentar se equilibrar novamente.

—E dez centímetros não fazem a diferença — Orion retrucou sobre o que a Fulgora tinha dito anteriormente, mas a sua fala apenas fez com que Cordelia arqueasse as sobrancelhas ruivas, ressaltando o duplo sentido da frase — de altura.

Mas isso não evitou que as garotas rissem do constrangimento do garoto, caminhando mais lentamente para se recomporem.

O vento passou por eles com mais força, mas nenhum deles pareceu notar o que se ocultava pelas sombras... ninguém além de Cordelia, que olhou para o topo da grande loja de penhores, e ela jurou que tinha algo a encarando de volta.

—Vistam as máscaras — Ela pediu colocando o fino arco de ouro na testa e sabia que seu irmão e a sua namorada sabiam o que aquilo significava.

Eles se esgueiraram por outros becos, andando onde as sombras os ocultavam, e Cordelia andava à frente mesmo contra todas as indicações, ouvia o irmão pedir para que ela andasse atrás, concordando com Satori. Mas ela não ouvia.

Sato sentia um calafrio na nuca, pela primeira vez ela queria correr de volta para Colerum e se ocultar dentro do próprio quarto: tinha medo de congelar novamente, ou de perder o controle e acabar machucando Cordelia.

Estava morrendo de medo. Medo de não ser o suficiente, porque a briga da manhã do dia após o ataque de Melione ecoava na sua cabeça como se estivesse lá novamente.

—Não precisava ter me chamado — Satori murmurou, sentando-se à frente de Circe, que saboreava um vinho como se aquilo fosse mais interessante.

—Não, mas tenho que parecer uma boa irmã. — Ela a respondeu, finalmente fitando a irmã mais nova com frieza mortal, repreendendo silenciosamente quando Sato deixou que um riso irônico escapasse entre os dentes — Como tu escapou?

—Isso não te interess-

—Como... — Ela interrompeu, falando um pouco mais alto antes de abaixar novamente o tom com um sorriso forçado — tu saiu?

"Eu tentei me matar, não consegui e saí".

—Ela me deixou ir — respondeu sem encará-la.

—Imaginei — Circe riu, um som ácido e fino — tu não é forte o suficiente, nunca foi.

—Não começa — Era um pedido, não uma ordem.

—Kinessa me avisou sobre o seu temperamento, será que tu não consegue ser boa em nada? — A mais velha continuou.

—Eu sou boa.

—Ah é? — A mulher duvidou com um sorriso de puro sarcasmo — No que? Em perder o controle? Ah! Em decepcionar? devo assumir que tu sempre acha formas criativas de me envergonhar.

—Eu luto bem — Satori lembrou.

—Não, não luta — Circe colocou a taça na mesa, fazendo um campanário com as mãos — Tu és um fracasso para o legado Rashdalle, tive o desprazer de te ver lutar e sei assumir: você não luta bem, só que eles lutam pior.

—Eu te odeio — A garota respondeu como se cuspisse veneno pela língua, derramando sua raiva em três palavras.

—Claro que odeia, sempre foi outro defeito seu, não é? Tão sentimental... que desgosto. Tu deixa seus sentimentos te controlarem, talvez por isso que tu nunca será uma heroína: tu é fraca demais. Como vai salvar os outros se nem consegue se salvar?

Satori saiu sem olhar para trás, ignorando quando a irmã rosnou para que ela voltasse. As palavras se assentando dentro dos ossos e destroçando a alma dela como ácido.

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora