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Estar entre a morte e a vida era mais doloroso que morrer, Morrigan percorria labirintos apenas para, quanto mais avançasse, mais sentisse a grama seca e pontuda cravando em seus pés despidos.

Mas ela continuou caminhando no breu.

Assim como Kazuha permanecia sentado ao lado da cama de Mor, agarrando-lhe a mão que lentamente se aquecia. Durante os nove dias, doze horas, trinta e três minutos e doze segundos que passara se alimentando mal, com banhos rápidos apenas mantido com o medo de Morrigan acordar sozinha

Ele passava o tempo lhe lembrando das histórias mais hilárias que tinham passado juntos, segurando a mão dela, esperando ansiosamente pelo momento que ela iria apertar de volta e zombar das tranças malfeitas dele.

Ansiedade era companheira da angústia que apertava o coração do garoto contra as costelas, a possibilidade do feitiço dar errado e de Nesryn ter apenas mentido para reconfortar-lhes... tudo de errado passava pela sua cabeça, cada hipótese.

—Nunca cheguei a te contar por que te chamava de Priskari, não é? Eu tinha prometido que te contaria no momento certo — Kaz sussurrou, beijando a mão de Morrigan rapidamente, os olhos ainda avermelhados e um pouco marejados — Minha mãe me ensinou, veio do Rúnico Antigo... Aquele por quem eu nasço, vivo e morro. Soube que você era minha Priskari assim quando você invadiu a minha plantação, me ameaçando com um pedaço de graveto... eu soube naquele momento que eu nunca mais conseguiria desgrudar de você. — Ele suspirou baixinho, a respiração fazendo cócegas na pele ainda um pouco fosca dela. — Quanto mais a gente crescia, mais eu te amava, cada parte nova que eu conhecia de você, eu me apaixonava... mas eu tinha medo, sentia que eu não te merecia, que você era boa demais pra mim. Perdi tanto tempo...

Quando o corpo apelava por alguns poucos minutos de sono, Kazuha recostava a cabeça no colchão, dormindo um sono sem sonhos, sempre acordando sobressaltado com visões de puro pesadelo que o atormentava.

Daquela vez ele sonhou algo pacífico, sentia os cabelos afagados suavemente pelas garras de Morrigan, não Ruelle, mas Morrigan. Era tão real e gostoso que Kaz se viu querendo passar a eternidade preso naquele momento.

Até que ele notou que realmente era um momento, e não um sonho. O coração pareceu despencar de mil andares quando Kaz abriu os olhos, o sono desaparecendo automaticamente quando a adrenalina o encheu ao constatar que Rue estava viva na frente dele.

Então ele levantou de supetão, assustado, encontrando Morrigan com um sorriso preguiçoso, os olhos cintilantes com vida que ele nunca tinha visto antes, mas tinha se apaixonado pela enésima vez ali mesmo.

—O que eu perdi? — Perguntou como se nada tivesse acontecido além de ter dormido demais, recostada na cabeceira, observando-o.

As mãos do garoto tremiam quando ele a puxou para um abraço apertado, o coração batendo tão forte que fazia o sangue dos seus ouvidos latejarem e sua visão embaçada pelas lágrimas prestes a cair. Ele nem mesmo tinha percebido quanto estava exausto, o quanto sentia a falta dela.

—Mor...eu... — Ele sentiu a voz embargada quando sentiu as mãos delas o acariciarem nas costas de forma reconfortante, aquecendo o coração que até aquele momento, estava vazio, completamente partido — Me desculpa.

—Ei... - Ela o chamou afastando Kaz de si para olhá-lo nos olhos, as mão acariciando o rosto dele com um sorriso doce e reconfortante — Eu tô aqui agora...Felix - Ela pegou a mão dele e colocou em cima do próprio coração, deixando-o sentir que ela estava viva — Viu? Eu tô bem, você tá bem, nós estamos bem. A culpa não foi sua.

—Nunca mais faça isso — Soluçou e o sorriso da garota se desfez, as mãos voltaram para o rosto do garoto, limpando suas lágrimas. — Por favor.

—É assim que eu sou, Fel — O lembrou com pesar — Eu vou te proteger o tempo todo, nunca poderia deixar alguém te matar — Confessou e o garoto não parava de olhar para seus olhos como se fosse a primeira vez que os havia visto. — Morri por você e morreria mais mil vezes se fosse preciso, mas eu me recuso a viver em um mundo que você não está.

—Eu não quero mais sentir aquilo de novo... sentir você morrer... sentir uma vida sem você, Mor. Você, aqui, me faz sentir vivo, você me faz respirar eu...eu...

—O que importa é que estamos bem agora? Presta atenção nisso, foca nisso... eu odeio te deixar triste tanto quanto odeio ver você chorar. — a garota sabia que quanto mais dizia, mais ela chegaria perto de chorar e mais ele choraria, e ela não poderia suportar. — Eu te disse que te veria depois.

—Eu te amo, Morrigan — Confessou com a voz ainda embargada — e eu cansei de fingir que não, merda, eu fiquei tão apavorado naquela hora.

—Eu sei... — Ela lhe respondeu num suspiro, beijando a testa de Kazuha antes de envolver as mãos em seu rosto novamente — E mesmo que já saiba disso: eu te amo, Felix. — Mor o confessou com leveza e antes que outra lágrima caísse no rosto pálido e apagado de Kaz, ela decidiu brincar um pouco — Agora me ajude a levantar, fiquei deitada por uma eternidade e quero minha maldita entrada triunfal.

Mas as pernas da garota fraquejaram pela falta de costume repentina, forçando Morrigan a agarrar nos braços musculosos de Felix para apoiar-se, sorrindo sem graça ao notar as mãos dele apoiando-se em sua cintura para equilibrá-la. — Não me olha com essa cara de preocupação, meu corpo só... parece mais leve, sei lá... vai ver eu só me desacostumei.

Não era apenas aquilo, Mor ainda se sentia estranha, as luzes pareciam incomodá-la mais do que faziam antes, mas Morrigan não conseguia compreender o motivo daquilo, confusa, atordoada por tanto tempo inerte, mas não sentia que estava forçando nada, se sentia... mais leve mesmo.

Os raios solares que atravessavam as janelas pareciam mais vívidos que nunca, colorindo as salas de fogo e ferro derretido numa beleza singular demais para Mor. Ela caminhou em direção ao sol, respirando fundo ao sentir o calor na sua pele.

Havia algo de emocionante naquilo.

—Mãe! — Morrigan reconheceu a voz e se virou a tempo para ver Melione correr em direção a ela, abraçando-a com força. Ser chamada assim no plano espiritual era totalmente diferente do que ela sentia naquele lugar, o nome quase enchendo os olhos de lágrimas. Mel já chorava em seus braços, sem querer largá-la.

—Senti a sua falta também, bruxinha — respondeu acariciando os cabelos dourados.

Ela se afastou por um momento, levantando o rosto para observar Mor, abrindo a boca para falar algo, mas se calando no momento seguinte. O semblante soturno completamente substituído por algo mais... impressionado. Mel se virou para Felix por um momento, vendo-o assentir e a mulher se virar para Mor novamente.

Mas antes que precisasse perguntar, viu os olhos do irmão na porta de entrada, e notou-o com um sorriso radiante, as lágrimas nos olhos azul marinho não pareciam ser uma saudade tão recente, mas antiga, um peso finalmente tirado.

—Senti muita falta dessa Morrigan — Indicou e ela disparou para o banheiro, acompanhada por Felix.

E viu no reflexo do espelho, os olhos como sempre deveriam ter sido: aquele tom de azul marinho profundo com salpicos de dourado perto da pupila, os olhos que anunciavam uma coisa que mudaria o curso de tudo.

A maldição tinha acabado, ela estava livre.

—São mais lindos do que tinha me dito — Felix notou, vendo-a se virar com um sorriso genuíno, diferente de todos os que tinha dado.

—Eu consigo sentir tudo — Revelou e então franziu o cenho e olhou para Felix. — Que merda de trança é essa?

—É, você tá de volta mesmo. 

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora