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Os pesadelos de Ruelle eram como demônios de gigantescas garras, cravadas em sua mente e garganta, impedindo-a de gritar ou de desviar o olhar, e não importava como ela estava, eles sempre vinham caçá-la. Mas o mais aterrorizante não eram os monstros gigantes, mas as lembranças que dilaceravam sua mente e alma ao fazê-la reviver cada segundo doloroso.

Elas não devem poder se reproduzir, senhor — Ouviu a sua mãe falar para o cirurgião feiticeiro da época, lembrava até mesmo da textura do veludo azul céu da sua capa quando ele a arrastou para dentro de mais uma das salas.

Ela tinha sido amarrada por cordas e cabos de ferro, aberta em uma mesa e ainda acordada, sentiu o primeiro corte. A lâmina era cega, e ela sentiu o cerrar partindo pele e músculo, gritava de dor porque na época, mal tinha 12 anos.

Rue conseguia sentir as mãos indelicadas do homem revirando as suas entranhas, tocando seus órgãos e sentia ainda a sua cura rápida tentar fechar a ferida, mas sendo cortada antes de conseguir recuperar-se. O cheiro metálico de sangue consumia suas narinas, fazendo ela ficar enjoada, mas como vomitaria se o homem segurava cada órgão nas mãos?

Ela sentiu quando seu útero foi arrancado antes mesmo que ela pudesse entender sobre o próprio corpo, e ouviu o grito da própria irmã que era igualmente torturada na sala ao lado. E era aquela realização de que sempre seriam tratadas como coisas que a fez sentir tanta angústia mesmo com pouca idade.

Ela abriu os olhos, encarando o travesseiro vermelho ao seu lado e perguntava se seus amigos a entenderiam por ela passar o resto do dia se escondendo dentro do próprio quarto.

Mas ela forçou-se a lembrar que não tinha mais idade para fugir de nada, ficando de pé repentinamente, vestindo o primeiro conjunto esportivo que tinha encontrado antes de encarar a porta do quarto como se fosse seu pior inimigo.

Mas a abriu, caminhando para a sala de jantar, sem poder ocultar a surpresa dos olhos cansados ao notar que Kaz e Darya não estavam na mesa, e todos pareciam avidamente dedicados a sussurrar suas opiniões sobre a recém ressuscitada. Mas assim que Ruelle apareceu, todos os burburinhos se calaram, os amigos observando-a se sentar e servir o seu prato com tudo o que a mesa oferecia.

—Realmente temos que agir bem perto dela? — Lia finalmente perguntou para Ruelle, mas a viu dar de ombros com um olhar exausto demais, e sabia que uma opinião pura viria.

—Ué, faz o que você quiser, quem tem que se adequar é ela, a gente não tem nada a ver com isso, não é? — Todos compartilhavam da opinião que Melione expôs, mas ainda se sentiam culpados por algo.

—Eles me caçaram por séculos, tem uma estátua da minha progenitora no centro da cidade — Ruelle grunhiu, segurando o garfo com força ao dar um olhar cortante para Lia — Me surpreenda que você ache que eu me importo com quem presencia minha raiva — Havia uma sombra que todos conseguiam notar ao encalço de Rue, algo que a tornava mais sombria.
E todos adoravam aquilo, se deleitando com a crueldade e rancor repentino que ela parecia expressar.

—Essa é a Andraste que eu conheço — Lysandre sorriu com orgulho, vendo a amiga bebericar o suco de laranja com uma inocência que não tinha.

—Descobri que alguns heróis gostam de farra nas florestas, se essa informação é interessante — Melione cantarolou com um pequeno sorriso, deixando implícito o que queria.

E todos cogitaram a mesma coisa, se entreolhando, um fantasma de sorriso dançando nos lábios de Ruelle.

—Do que vocês estão falando? — Kazuha perguntou entrando na sala de braços dados com Darya, que tinha se conformado em vestir as roupas que Melione tinha emprestado, o que normalmente consistia em vestidos claros e rodados com renda.

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora