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Às vezes Satori se achava deslocada entre os vários Fulgora da família, ou os Fulgora que conhecia. Além do seu talento nato, além do poder massivo em suas mãos.

Não era o quanto que a assustava, mas o como ele se manifestava.

A magia dela era dourada como ouro líquido, tão cintilante e forte como um dia ensolarado, mas sua magia de verdade não era assim. Ela encarava o céu dentro de si mesma, observando a vastidão escarlate que se espalhava pelo céu em vários tons, tingindo o negro da madrugada em rubro.

E os trovões brilhavam vermelho, vinham da terra para o céu, do céu para a terra ou só... surgiam. Retos e repentinos como um projétil de bala, como se procurassem um alvo para atingir.

Sato se deitava na grama verde, observava aquela bagunça vermelha e se perguntava se mais alguém sentia aquele tipo de magia dentro de si mesmo: perguntava para Kinessa, e ela sempre dizia que o jeito que a nossa magia se mostra para nós é diferente: que Satori era raivosa, intensa e selvagem, e por isso a magia era tão vermelha quanto o sangue que fervia em suas veias toda vez que algo a irritava.

Várias vozes ecoavam do nada, Sato se perdia entre elas, a cabeça doía como se tivesse caído de um precipício. As vozes eram altas, mas ela nunca entendia de onde vinham, eram suaves e tão angelicais que ela se sentia flutuando entre as nuvens, fechando os olhos e esperando que aquela voz ecoasse novamente.

Até que ela os abriu, e algo tinha mudado...

—De novo — Kinessa ordenou.

Ah é... faziam dois dias que ela tinha acordado do coma, e estava definitivamente muito perdida: todos com quem ela falava tinham algo mais importante para fazer, se afastavam e se comunicavam por sussurros. Conversas morriam por onde ela passava.

—Eu tô tentando, me dá um tempo! — Satori pediu com um grunhido, pondo-se de pé novamente.

—Se eu te der um tempo, você colapsa e vira pó de uma hora para outra, então se quer um tempo, aprenda a se controlar — Ela tentava se lembrar que Kinessa apenas exigia tanto dela porque Sato precisava, mas ainda sim aquilo a irritava.

Ela respirou fundo e encarou a esfera maciça no centro da sala, fechando as mãos em punho e descarregando a maior quantidade de poder que conseguia, sentindo pura eletricidade irromper daquele poço profundo dentro dela.

—Para de me empurrar, cacete! — E novamente, a concentração de Satori foi perdida, mas dessa vez foi pela pura curiosidade, encarando a porta da área de treinamento, observando Maven reclamar de Macaria e Cordelia.

—Estão atrasados — Kinessa os repreendeu, e os três se colocaram um ao lado do outro de cabeças baixas — Macaria treine com Maven, Cordelia e Satori no corpo a corpo, preciso resolver algumas coisas, mas isso vai ter punição.

—Sim senhora — Os quatro falaram em uníssono.

Mas bastou que ela saísse da sala, para que Macaria se sentasse no centro da sala, ao lado de Satori, e jogasse um caderno de couro surrado no chão, uma onda de pó saindo do livro com o impacto.

—O que era para ser isso? — Maven perguntou, mas sentou-se de qualquer forma.

—Achei isso naquela noite — Todos sabiam de qual noite ela se referia, e bastou aquilo para Cordelia e Satori também se sentassem, formando um pequeno círculo ao redor do livro. — É um diário, mas é a porra do diário de uma Neera.

—A que o velho lá matou? — Cordelia questionou e viu a amiga apenas assentir.

—Sim, sim. O nome dela, aparentemente era Klythie, e as coisas lá dentro dos Neera eram mega esquisitas no tempo dela — Aria explicou, abraçando os próprios braços como se sentisse a dor da garota. — Mano, ela era abusada lá dentro.

—Tá zoando? — Maven franziu o cenho, Cordelia agarrou o livro e folheou as páginas amareladas por si só.

—Queria eu, mas é detalhado demais, cara...

"Caro diário, creio já ter lhe contado sobre como Ruelle adora se vangloriar pelo fato de ter assassinado a própria irmã. Mas hoje, dia 16 de setembro de 1206, algo esquisito aconteceu"

—Não narra isso, eu já li — Macaria tentou impedir, mas Cordelia continuava lendo. — Cory?

E, com os olhos completamente brancos, a manipuladora de emoções continuou lendo.

"Ela me contou que a irmã tinha se perdido na neve, mas isso nem foi o mais bizarro: Ruelle tentou matar Kazuha e depois nem mesmo se lembrava disso. Rue está ficando pior, a gente achou que fosse a maldição, porque ela parece estar louca: faz algo, mas de repente não fez de verdade, elogiou novamente o cordeiro que Kenna tinha feito, mas não comemos nada além da sopa insípida que ela tinha feito. Ela está ficando louca, e eu só sei que sou o próximo alvo dela."

—Só que eu não sou forte, vou morrer e alguém vai levar a glória por isso, eu sei que vai. — Cordelia terminou de ler, mas o diário sequer estava em suas mãos, largado no chão em uma página aleatória, os amigos assustados demais para falar algo. Mas ela pareceu voltar ao normal por si só — Gente, vocês viram isso?

—Tem certeza que a enfeitiçada foi Sato? — Maven perguntou, sequer notando a feição de preocupação que distorcia o rosto de Satori.

—Não... é a segunda vez que Cordelia fica assim — Macaria lembrou.

—Assim como? — Cory perguntou com um sorriso hesitante.

—Os seus olhos ficaram brancos de novo, como se você só... tivesse ido para outro lugar — Satori notou.

—Mano, foi mal, mas eu vou ter que falar com Kinessa — Aria interrompeu, levantando-se — Isso tudo tá me dando um medo do cacete.

—O que, o diário? — Cordelia se levantou junto e todos a seguiram, Maven agarrando o livro consigo.

—Não, porra! Você. — Macaria exclamou de costas enquanto caminhava para a porta, acompanhada pelos amigos — Você tá esquisita desde que voltou!

—Diz isso por causa dos meus olhos? — Cory interrompeu, agarrando o ombro da amiga para fazê-la parar, mas a garota se virou bruscamente, desviando do toque como se pudesse queimá-la.

—São os seus desenhos, Cordelia, você desenha a mesma coisa o tempo todo e é a mesma garota que tem desenhada nesse livro. — A manipuladora de emoções congelou no lugar, os olhos dobrando de tamanho.

—Que desenhos? — Ela perguntou, e os amigos apenas puderam assistir a confusão nítida — Macaria, que desenhos? Mac-

A garota não deu tempo de Cory falar antes de sair às pressas do local, deixando os três completamente perdidos.

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora