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Ela deveria pensar sobre como a Andraste era boa naquela escuridão, mas a única coisa que conseguia pensar era que tipo de divindade deixa que sua devota sofra daquele jeito.

Durante toda a sua vida, Andrômeda tinha mantido sua fé inabalável, mesmo quando Ares chegou e agia como se Andraste fosse tão real quanto uma ilha flutuante, ela o educou em troca da educação dele, fez do garoto um devoto enquanto ela dava tudo de si.

Será que ela tinha feito algo ruim? Será que ela tinha sido rude ou má? Por que estava ali? Por que ela?

POR QUE EU? POR QUE EU? POR QUE EU?

Ela se sentia cega ali naquele breu, mas também se sentia cega de espírito e de fé. Talvez Cresseida estivesse certa no final das contas, e tudo aquilo fosse culpa da sua hesitação.

EU JURO QUE TÔ TENTANDO SER MELHOR!

Mas não dava, parecia impossível se manter boa naquele lugar, tratada como um animal, alguns pedaços de carne jogados pela janela, oferecendo-lhe apenas alguns segundos de lembrança que ela não estava cega ainda.

FOME! FOME! FOME! FOME! FOME! FOME!

Como mais um desafio em seu caminho, a porta abriu novamente, Cresseida a encarava com indiferença, vazio em seu olhar, mas lhe estendeu a mão.

Andrômeda quis comer aquela mão, cuspir aquela mão, afastá-la para longe, mas aquilo levaria apenas a mais problemas. Então ela agarrou a mão da Rúnica e levantou-se.

Tinha uma cadeira de rodas esperando-a na porta, e ao lado estava o Anjo Dourado, ainda com as ataduras nos olhos, mas oferecendo-lhe um sorriso tão doce que Andrômeda quis chorar.

FOME! FOME! FOME!

Até que seus olhos abriram-se de verdade e ela se viu ainda perdida naquela escuridão, desesperada pelo medo de ter ficado cega, até se lembrar de onde estava. Andy se encolheu no chão, sem sequer saber onde estava na cela, e percebeu o quanto sentia falta dos amigos.

Aquilo parecia durar uma eternidade, era uma eternidade sombria e melancólica, mas era estar finalmente sozinha com a própria mente, livre para falar — porém nada nesse mundo assustava mais Andrômeda do si mesma.

ELA TE ABANDONOU AQUI, A ANDRASTE NÃO TE QUER!

NÃO! É MENTIRA!

ASSIM COMO OS SEUS PAIS, NEM MESMO ELA TE QUIS!

CALA A BOCA!

FOME! FOME! FOME!

Andrômeda tapou os ouvidos como se isso fosse silenciar seus pensamentos, gemidos dolorosos ecoavam pelo local, o único som não doloroso para a garota fazer quando tinha a boca presa naquela jaula metálica.

Finalmente a porta se abriu com um rangido agonizante que vibrou pelas pedras, mas Andrômeda se perguntava quem iria aparecer naquela porta, qual peça a sua mente lhe pregaria naquele sono que ela estava.

E então Misha apareceu ao lado de Cresseida, ambas cercadas por guardas. Andy sabia o que aquilo significava, mas estava tão fraca que nem queria lutar, só queria descansar, só queria seus amigos, só queria... um pouco de paz.

Ela não precisou dos guardas, levantando-se e caminhando junto com as duas figuras em manto negro, e olhava tanto apenas para o chão, guiando-se unicamente pelos calcanhares das captoras que nem mesmo reparou para qual dos vários laboratórios estavam indo.

Mas o coração ainda assim, apertou-se no peito quando ela ergueu os olhos e leu AUTÓPSIA na placa — ela gostava muito da paciência que os Anjos Dourados e Ares tinham tido com Andy para alfabetizá-la, mas às vezes preferia que ainda não soubesse nada.

Na sala, apenas Misha entrou, esperando Andrômeda entrar em passos hesitantes para fechar a porta de madeira. Ela conseguia ver a culpa no olhar da Conselheiras, mas aquela culpa não ajudava ela em nada.

—Sinto muito pelo que preciso fazer com você — Ela murmurou e só então Andy notou os sacos com líquido verde quase fluorescente nos dois lados da maca, agulhas e mais agulhas junto com ferramentas que ela não reconhecia na bancada metálica móvel.

Como se dissesse "faça o que precisa fazer", Andrômeda se deitou na maca antes que ela sequer pedisse para que a cobaia fizesse aquilo, aproveitou e olhou para a lâmpada forte no centro da sala, tentando tirar aquela sensação esquisita de tanto tempo no escuro.

—Quer que eu tire a máscara? — Misha perguntou enquanto prendia seus longos cabelos num coque alto e firme, Andrômeda assentiu uma vez, sentindo alívio antes mesmo de que ela tocasse... — Está com fome? Preciso que seja sincera — A cientista perguntou, guiada pelo olhar apagado de Andy, junto com a lágrima solitária que escorreu-lhe quase em direção ao ouvido — Então eu sinto muito, precisamos fazer isso com a máscara. Pela Andraste?

Dessa vez ela não repetiu as mesmas palavras, a mente estava barulhenta demais para uma falsa divindade. Então, como resposta, ela apenas estendeu-lhe os braços, ouvindo um suspiro de Misha.

E então Andrômeda contou as dez agulhas que perfuraram sua pele, olhou para os sacos de substância suspeita: nunca esqueceria da sensação congelante da última vez que aquilo tinha sido usado.

Ela deveria ter doze anos, talvez, uma criança chorona que ainda não precisava daquela focinheira, porque não fazia ideia da potência da sua mordida.

—Vai doer, Andy, e eu sinto muito por isso — A voz de Misha estava embargada, e a cobaia quis apenas rir daquilo: ela que estava sendo furada, cortada e usada desde seu nascimento e a cientista estava abalada? — Eles me obrigaram, acho que você se desenvolveria muito bem sem nenhum auxílio de terceiros, sinto muito mesmo, Andy.

Andrômeda se ajeitou, desconfortável na maca ao ver Misha mexer em coisas que ela sequer entendia. E então aquela tortura começou. A sensação gelada que irradiava de cada agulha como se suas veias se tornassem gelo, e então vinha o quente.

O gelo se transformava em lava, tão quente que parecia fazer o sangue borbulhar, e então evaporar. Mas o vapor estava preso sob sua pele, tentando corroer carne e pele para fora, derretendo seus ossos. A cobaia estava com a visão turva, sentindo o limiar entre a consciência e a falta dela: Andrômeda queria se render e desmaiar, encontrar um escape da dor violenta que a percorria até os dedos dos pés.

Mas parecia nunca chegar, deixando a garota acordada durante as longas horas até que cada saco se esvaziasse: Nem mesmo sabia quando suas mãos tinham sido acorrentadas, mas odiou aquilo, porque se debater contra os grilhões apenas a deixava com mais RAIVA.

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora