—É engraçado lembrar de Fallon com tanto carinho quando ela foi o mais perto que chegamos da morte — Kaz continuava o assunto enquanto via Ruelle devorar o quarto prato de sopa, sentada ao seu lado. Ela parou por um momento, assentindo com um sorriso.

—Acho que ela foi a única conjuradora do sol legítima que conheci, de verdade mesmo — Se lembrou da mulher-sol, o esplendor da beleza e a intensidade do seu poder que quase assassinou todos os Neera sem piedade alguma — A última pessoa a vestir aquela armadura com dignidade.

—Lembro do dia que saímos para beber com ela — Kaz se recordou com nostalgia — Como ela dizia mesmo?

—"Se não uso meu uniforme, sou apenas uma cidadã que quer um pouco de diversão com os amigos" — Rue recitou se recostando na cadeira da grande mesa de jantar — Acredita que a nova geração tem Inara como símbolo de resistência?

Então era aquilo que realmente a estava incomodando — Kaz pensou.

—Eles vão erguer uma estátua dela no centro da cidade como homenagem, chamaram ela de heroína de guerra! — Ruelle continuou a se revoltar.

—Tenho certeza que vai amar derrubar essa estátua — Kaz afirmou maliciosamente, o seu sorriso travesso acompanhando, mas desaparecendo no momento em que um sorriso inocente brincou nos lábios de Ruelle. O que na maior parte das vezes significava algo pior do que ele conseguia imaginar — O que você pretende fazer?

—Quero apenas deixar um grande presente para eles — Ela brincou, lembrando-se do plano que tinha forjado em sua mente, ocultado até dos próprios amigos — Afinal, eu sou o presente de Inara para os heróis, não é?

Ninguém sabia o que poderia ter sido de Ruelle sem as cicatrizes que a cobriam por debaixo da regeneração, mas Kazuha sabia que se deliciava com a forma que ela externaliza seu ódio em ondas constantes de puro caos. Tinha se viciado na malícia dos olhos sonolentos enquanto observava e admirava a nova obra de arte feita pelas próprias mãos, amava aquela sombra de crueldade que escorria de cada poro, um cheiro quase inebriante para o garoto.

—Imagino que Fallon deve estar se contorcendo no túmulo junto com todos os outros — Mudou de assunto, sabendo muito bem que se eles continuassem a imaginar o que poderiam fazer, fariam algo totalmente impensado ainda naquela madrugada. E funcionou, o comentário arrancando uma risada sincera dos lábios carnudos de Ruelle — Seria engraçado se descobrissem que a única vez que você deixou de caçar heróis, eles estavam te ajudando a matar Inara e dançando no túmulo dela depois.

—E se eu te disser que tenho a terrível impressão de que vamos precisar deles de novo? — Ela sugeriu, vendo Kaz franzir o cenho com dúvida, era apenas uma pergunta, mas soava demais como uma afirmação — Eu... é que não sei explicar, mas acho que tem alguém nos observando do lado de fora da Redoma.

—Como assim? — Kaz perguntou mais preocupado do que queria soar — Lys teria notado qualquer pessoa muito próxima, ninguém entra sem a nossa permissão.

Talvez fosse parte da maldição de Ruelle, mas ela era muito mais sensível a energias diferentes, como uma pressão no ouvido, um zumbido irritante que tinha a perturbado durante o dia anterior enquanto tentava fazer um novo ácido corrosivo que se espalhou e no chão e queimou a madeira bem polida, fazendo ela encarar a janela virada para o além da barreira arbórea, sentindo que algo a encarava de volta.

—Eu não acho que seja uma pessoa — confessou, vendo o amigo se endireitar — Acho que é como eu.

—Um mestiço?

—Um Andraste. — A palavra cortou o ar e parou a respiração de Kaz — Eu não sei como, mas não era sangue puro, era algo mais.

—É impossível. — Declarou, pigarreando para tentar se recompor - Você é O Acordo, não pode existir mais de um, e Kamari morreu há eras.

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora