Capítulo 19

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"E no meio de tanta gente eu encontrei você. Entre tanta gente chata, sem nenhuma graça, você veio. E eu que pensava que não ia me apaixonar, nunca mais na vida".
(Não Vá Embora - Marisa Monte)



:: Capítulo narrado por Rhodes. ::


Meu pai ajeitava seu chapéu e paletó, enquanto eu terminava de conferir todas as janelas do apartamento.

— Daniel, você pegou o embrulho da pequena Louis? – meu pai perguntou olhando em volta à sala e não o encontrando.
— Está no carro. Podemos ir?
— Acaso o vinho está no carro, também?

Ele perguntou-me após me olhar de cima a baixo, cauteloso. Bati a mão em minha testa e fui até minha pequena adega, ansioso. Papai manteve-se silencioso, com uma expressão de sábia ironia e um sorrisinho debochado, bem de leve em sua face.

— Pronto. Vamos. – falei retornando apressado com o vinho em mãos.
— Daniel?

Eu já estava quase à porta e meu pai continuava parado no meio da sala me observando, quando me chamou.

— Pode, por favor, se acalmar? Não é elegante chegar despenteado à casa da namorada.
— Pai... Ela não é minha namorada. O senhor nem me fale algo assim na frente dela, entendido?

Papai continuou sorrindo e caminhando lento até mim, saiu à minha frente sem antes aceitar o que eu disse.

— Que seja. Não é então. Mas, por favor, se controle. A mulher não irá fugir.

Ele adiantou-se ao caminho até o elevador, e eu me dei conta de que talvez, eu estivesse ansioso demais. Respirei fundo na tentativa de me acalmar, e tranquei a porta do apartamento indo em direção ao estacionamento.
Papai andava tranquilo, elegante, e tinha um sorriso a estampar sua face até o olhar, o qual disfarçou quando eu me aproximei. Mas, eu notara aquele gesto. Entramos ao carro e quando já estávamos em alguma das ruas de meu bairro, ele pôs-se a falar.

— Você nunca me contou exatamente, como você e Annie se aproximaram.

Olhei confuso e preocupado a ele por aquele rompante de esquecimento, uma vez que eu já havia dito-lhe a história.

— Papai, eu contei. Na minha substituição ao Dr. Hunter, os pacientes dele passaram para mim, e com isso comecei a tratar a Louis.
— Sim, mas... Você se aproxima assim de todas as mães de suas pacientes?

A pergunta com tom ingênuo na verdade escondia a malícia tão própria do senhor Isaac Rhodes, a qual eu saberia reconhecer até se ele fosse mudo.

— Não... Na verdade... Annie se divorciou do pai da Louis há alguns meses. E culminou da garotinha sofrer de crises pancreáticas em virtude do diabetes, na época. Annie e Louis estavam emocionalmente conturbadas pela rotina nova, e... Eu acabei acompanhando o histórico da vida pessoal de ambas. Foi inevitável não me aproximar, pai.

— Inevitável? – ele perguntou com certo sarcasmo e me lançou um olhar cálido, como o de minha mãe antes de acenar brevemente com a cabeça e dizer: — Inevitável. É claro.

— O que o senhor está maquinando hein, Sr. Isaac?

— Eu só estou me recordando de como já vi uma história parecida antes.

— Ah é? Pois, guarde-a para o senhor, por favor. Nada de constrangimentos desnecessários à minha amiga.

— Você não precisa reforçar que é apenas um amigo dela, eu já entendi isso. Ou você está tentando se convencer disso, meu filho?

Entre um semáforo e outro, eu encarava papai e percebia o quanto ele estava convencido do contrário, e tentava me convencer de algo que permeava sua mente.

— Pai, o que o senhor está interpretando da situação não é de fato real. Ok?

— Eu sei que não. Só passa a ser real quando se assume.

Revirei os olhos num gesto imperceptível, pois, para papai aquilo não era elegante e nem respeitoso. Concentrei minha vista à estrada e rapidamente liguei o rádio do carro. O Sr. Isaac Rhodes fez exatamente o que eu sabia que faria: observou minuciosamente meus gestos, e deu uma fraca risadinha ao final.

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