A melodia das músicas, as risadas, o bulício da multidão vigorosa, tudo o que deixava para trás ao seguir Kohan para longe da praça ficava cada vez mais distante. Como uma criança frustrada, Azura bufou. Aquela noite era tudo o que ela precisava - beber com os amigos, conversar sobre paixonites como uma adolescente apaixonada, dançar pelos ladrilhos até o frio não ser mais tão frio - e Kohan, mesmo que não pudesse culpá-lo por ser o intermediário da mensagem, veio chamá-la ao mundo real. Nada nunca era simples no Vale de Awa. Houve um tempo em que foi. Ela se perguntava se um dia voltaria a ser.
Ao apressar-se, Azura alcançou Kohan, cujos passos eram o dobro dos dela. Eram seguidos por Düran, a convite dela, que não aproximou-se o suficiente para ouvi-los, e uma Ginevra bêbada, que insistiu em segui-los ao achar ser importante. Talvez fosse, mas não no estado em que estava.
- O que houve? - Azura indagou ao arandiano, cochichando como se perguntasse o segredo de um cofre.
Kohan não a olhou. Ele inspirou o ar gelado profundamente. Parecia nervoso, irritadiço, talvez ansioso. Azura aprendera a lê-lo, ainda que por tantas vezes aquele homem lhe fosse um mistério.
- Ainda não sei - respondeu, por fim. - Frey me encontrou na porta de casa antes de eu conseguir dar sequer um passo para fora. Disse para eu te chamar e correr para a Cebola.
A Cebola era uma estrutura de bancos de cimento espiralados distante das labirínticas ruas e vielas da Pedreira, aproximando-se já das barricadas levantadas contra o lado de fora da terra, sua divisória com o Bosque das Lamúrias e seus segredos. Aquele nome lhe parecera ideal, passado de boca em boca. Visto de cima, o lugar parecia uma cebola cortada ao meio.
Depois de incansáveis minutos andando em silêncio, apreensivos, os quatro adentraram partes pouco habitadas da Pedreira, escuras e abandonadas, ocupadas por necessitados e desabrigados assim como eles quando chegaram. Àquela distância, o vento cortante era mais barulhento que o som do festejo no centro, que agora parecia-lhes mais um sopro, uma ilusão distante daquela realidade assombrosa.
Quando a terra aos seus pés enrijeceu-se e pareceu seca e morta, os quatro se encontraram com outras silenciosas figuras.
Azura os estudou, acostumando os olhos à escuridão. Uma chama acendeu-se atrás deles e a garota olhou para trás, a ponto de ver Ginevra apoiada em Düran, mantendo-se em pé com certa lentidão. Na palma de uma das mãos, acendera o fogo, primeiro truque que aprendera. Era como respirar. Não necessitava muita atenção. Na outra, carregava a garrafa de hidromel pela metade .
Voltando os olhos para frente, os quatro arfaram. Ali, na dita Cebola, vislumbraram Frey e Aurèlia, além de uma humilde família - uma mãe e dois filhos, uma garota e um garoto mais velho que esta. Todos estavam em pé, espalhados pelo espaço. Sobre os bancos calculadamente dispostos, dezenas de pássaros azuis mortos.
- O que aconteceu aqui? - Kohan foi o primeiro a questionar, balançando a cabeça, incrédulo.
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Chamas de Petrichor {trilogia}
FantasyEra curta a lista dos medos que afligiam a pequena garotinha de olhos cinzentos. Primeiro, Azura não gostava do escuro. Ela era nascida de Petrichor, descendente de Sonca e Marama, os deuses do Sol e da Lua. Qualquer ausência de luz causava-lhe um p...