Seus olhos marejados não deixavam-na ver para onde seus passos cegos e pesados de fúria a levavam. De repente, Azura estava em uma campina aberta, muito menor do que a dos Kinos e irregular, com uma vegetação que lhe alcançava os joelhos e revezava entre morros e depressões. A neve que acumulou-se por entre a folhagem rasteira tornava difícil andar por ali.
Azura tropeçou e caiu mais de uma vez, por entre soluços e lágrimas que congelavam ao cair da neve e o vento glacial que parecia vir de todos os lados. Recomeçara a nevar, mas a mulher continuava em frente. Quando caiu de novo, já furiosa consigo e com tudo ao seu redor, permitiu-se chorar. Distante de onde o deixara e ajoelhada na neve congelante, Azura tapou a boca para abafar soluços que dificilmente seriam ouvidos por alguém. Nem ao menos conseguia decifrar o que sentia. Náusea, nojo. Nojo de Bron, nojo de si. Arrependimento por não tê-lo matado, raiva por sua fraqueza e ingenuidade. Nojo de si. Ela limpou as lágrimas que escorriam pelo rosto. Obrigou-se a respirar fundo mais de uma vez. Estava só. Cogitou voltar, mas não quando já conquistara tanto até ali. Ela olhou para frente, sentindo o vento cortante bagunçar seus cabelos. Aguardou pacientemente até que seus olhos se acostumassem e se encontrou.
Estava aos pés de um declive, uma espécie de colina que desenrolava-se metros até lá embaixo. Azura apertou os olhos e decifrou a terra que tanto procurava. O portão de Vocra esperava por ela, entreaberto.
A petrichoriana escorregou por toda a colina sem pensar duas vezes. Ginevra estava certa, algo em Vocra estava errado. Nem sequer uma luz iluminava aquelas terras. Costumava pensar nos vocranianos como um povo festivo, costeiro e praieiro, isso por todas as histórias que ouviu no decorrer de sua vida. Não sabia dizer se era a escuridão ou a neve, mas em nada aquela visão assemelhava-se à Vocra que ela conhecia.
Azura chegou aos pés de um portão gigantesco e semiaberto. As duas portas pesadas abriam para fora, com pelo menos dez metros de altura. Ela olhou para cima ao esgueirar-se pela abertura. Os arcos ogivais da entrada tinham uma arquitetura floreada, linhas curvas e irregulares que remetiam à natureza, esculpidas em pedra sabão e muitos desgastes do tempo. A neve acumulava-se nos detalhes do portão extenso, que sumia na escuridão e parecia infindável.
A mulher avançou e deparou-se com uma praça extensa e aberta, que em muito lhe lembrava a praça do comércio da Pedreira. Teve certeza de que, se seus passos não fossem abafados pela neve fofa, ecoariam por toda a vastidão desguarnecida.
- Olá? - sua voz soou baixa. Sabia que dificilmente obteria uma resposta com aquele tom, naquele lugar.
Olhou para todos os lados antes de dar mais um passo. Os estabelecimentos comerciais pareciam fechados há tempos, além de fachadas estarem quebradas e portas arrombadas. Aquela cidade fantasma lhe causou ainda mais calafrios que o próprio frio.
Conformou-se em estar sozinha. Por instinto, tomou a adaga em mãos.
Seus olhos não alcançavam muito mais que poucos metros à sua frente. Azura passou as mãos pelos braços em uma falha tentativa de aquecer-se. Lembrou-se o motivo de ter ido na frente - queria ver se Vocra era seguro.
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Chamas de Petrichor {trilogia}
FantasyEra curta a lista dos medos que afligiam a pequena garotinha de olhos cinzentos. Primeiro, Azura não gostava do escuro. Ela era nascida de Petrichor, descendente de Sonca e Marama, os deuses do Sol e da Lua. Qualquer ausência de luz causava-lhe um p...