Suas pálpebras se entreabriram lentamente, mas a visão demorou a ganhar foco. A sensação passava longe do que descreveria como acordar. Seu corpo, diferente de seus olhos, não reaveram ao mesmo tempo.
Azura demorou longos segundos para se situar. Como um soco na boca do estômago, lembrou-se da conturbada e falha fuga da floresta de Cinzas. Não sabia onde estava, mas seus sentidos voltavam vagarosamente. Percebeu estar deitada sobre algo confortável, finalmente. Aqueles dias dormindo na terra dura e rodeada por insetos e animais que disputavam lugar com ela fizeram com que qualquer colchão se transformasse em plumas sob seu corpo cansado. Percebeu que não estava com frio. Dos pés ao pescoço estava coberta por um confortável cobertor quente. Voltada de peito para o teto, tudo o que conseguia ver era uma estrutura clara, um teto. Por fim, um teto que lhe abrigava. Não sabia se temia ou agradecia, mas por instinto e cautela, temeu.
A petrichoriana moveu as pontas dos dedos das mãos devagar e percebeu que seu corpo acordava aos poucos. Azura resmungou ao notar o quanto seu corpo doía. Não apenas as juntas e os músculos, mas o corte profundo nas costas e mesmo os superficiais que não se dera conta que tinha adquirido na nova coleção.
Sentou-se, deixando o cobertor cair. Arfou ao estudar o ambiente. Era um quarto pequeno, um cubículo onde apenas uma vela iluminava quatro paredes e um colchão. Uma maca, para ser mais precisa. Ao seu lado, um pequeno móvel com gavetas servia de bancada para instrumentos que ela reconheceu como seus socorristas. Uma tesoura e bisturis diferentes, agulha e fio cirúrgico, gaze e sangue espalhados que nem a impressionavam mais. Teve certeza de que aquele sangue era seu.
Azura estava limpa, percebeu. As roupas do corpo não eram as suas. Estava com uma regata de cor mostarda e uma calça confortável preta que lhe caiu como uma luva. Meias confortáveis esquentavam seus pés. Seu cabelo estava limpo, finalmente, e conseguia passar os dedos por toda sua extensão sem enrolar-se nos nós.
Ficou imóvel por pelo menos um longo minuto, processando o que poderia ter acontecido. Pensou onde estariam os outros e se aquele sequestro era na verdade um resgate. Estaria em uma cela ou em um abrigo? Azura vislumbrou a porta, a maçaneta brilhando sob a luz das chamas tremeluzentes. Vagarosamente levantou. Só tinha uma forma de adquirir aquelas respostas. Por precaução, pegou um bisturi em mãos.
Antes mesmo de colocar a mão sobre a maçaneta, esta girou. Azura deu um salto para trás ao ver a porta se abrir.
Uma figura apareceu do outro lado, assustando-se ao vê-la de pé. Azura deu um passo para trás e, por instinto, armou o bisturi em uma posição defensiva. Seus olhos cruzaram-se com os do homem.
Ela logo os reconheceu, aqueles olhos. Um deles era branco como a neve, uma cicatriz atravessava-o, vindo da testa ao maxilar, inutilizando-o. O outro, negro como a noite. Foi o homem que a apagou na floresta de Cinzas.
Ela estudou-o dos pés à cabeça. Estava calmo, mesmo vendo-a com a arma nas mãos. Talvez o olhar de medo de Azura a colocasse em desvantagem. Ele era alto, mas não tão alto quanto Kohan. Sua pele era morena e os cabelos escuros eram crespos e curtos. Parecia jovem, apesar da barba rala envelhece-lo. Sua feição era dura, mesmo que pacífica, o que impedia Azura de decifrá-lo.
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Chamas de Petrichor {trilogia}
FantasíaEra curta a lista dos medos que afligiam a pequena garotinha de olhos cinzentos. Primeiro, Azura não gostava do escuro. Ela era nascida de Petrichor, descendente de Sonca e Marama, os deuses do Sol e da Lua. Qualquer ausência de luz causava-lhe um p...