Se sentiram tão próximas e tão distantes que a angústia tinha sabor na ponta da língua, ácida e indigesta. As irmãs correram lado a lado, desviando de pessoas apavoradas, pulando corpos estirados, deslizando pelos ladrilhos ensopados pela chuva que só caía e caía como se para puni-las de algo.
Nafré e Gaia já não tinham mais rumo. Não tinham visão do par de botas e de sua dona e, se não tivessem visto a mesma coisa, teriam certeza de estar alucinando.
- Nafré - Gaia chamou assim que estagnaram em um cruzamento -, não era ela.
- Claro que era, Gaia! - a mais nova esbravejou com a falta de crença. - Vamos achar ela, anda!
- Nafré - Gaia foi mais incisiva. Segurou no punho da irmã, que tentou se desvencilhar. Nafré tinha os olhos inchados de quem logo derrubaria mais lágrimas para somar com a chuva. Mesmo assim, olhou para Gaia. A mais velha apontou com a cabeça para o lado delas -, olhe. Não era ela. Não era a mamãe.
Nafré olhou. A dona do par de botas era uma mulher de cabelos castanhos e mais nova que Rose. Agora, mais próximas, vendo a mulher procurar por abrigo como os outros, perceberam que pouco aqueles calçados se pareciam com o que fizeram para a mãe há mais de uma década. Estavam se iludindo pela semelhança de meros calçados, procurando salvação onde não tinha.
A loira levou uma das mãos à têmpora, exausta. Sua feição debulhou-se em uma careta chorosa e ali, também, Nafré desistiu.
Gaia puxou a irmã mais nova para longe dali, para a direção da casa onde viveram. Não estavam longe, tampouco perto. Perdiam-se e se encontravam e fugiam de soldados que brutalmente invadiam casas e saqueavam até mesmo os que estavam ao seu lado na guerra. Eram degolados imediatamente os que não tinham a marca de Pouri. Elas fugiam enquanto conseguiam.
Nafré estagnou. Gaia olhou para trás, tentando puxá-la, a irmã mais nova que era tão mais forte que ela. Estavam em uma rua movimentada, uma correria sem igual, onde pessoas se feriam e o caos corria solto.
A mais velha empurrou a irmã para um canto e olhou para todos os lados enquanto tentava acalmá-la.
- Vamos, Nafré - pediu.
A loira balançou a cabeça com força, negando.
- Chega, Gaia! - seu choro escapou junto com suas palavras. - Acabou.
- Não acabou, Nafré, precisamos ir para casa...
- Que casa, Gaia? - a garota encostou o corpo na parede atrás de si. Ambas viram quando a luz vermelha cortou o céu e ali permaneceu, substituindo o lugar das tochas. Diferente dos outros, não se espantaram. Sabiam do que se tratava. Era o Deus das Trevas dando uma luz para o seu lado. Isso só intensificou o que Nafré sentia. - São só paredes vazias se ela não estiver lá.
- Não sabemos se ela está lá!
- Ela não está! Mamãe não é estúpida, Gaia, ela saiu de lá, ela pode estar em qualquer lugar, ela... ela... ela pode estar morta! Mas que merda, ela...
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Chamas de Petrichor {trilogia}
FantasyEra curta a lista dos medos que afligiam a pequena garotinha de olhos cinzentos. Primeiro, Azura não gostava do escuro. Ela era nascida de Petrichor, descendente de Sonca e Marama, os deuses do Sol e da Lua. Qualquer ausência de luz causava-lhe um p...