114. Os Que Ficaram Para Trás

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Lírio não soube como, mas dormiu como uma pedra assim que o sol os deixou

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Lírio não soube como, mas dormiu como uma pedra assim que o sol os deixou. Foi como se a ascensão de Marama o prometesse que a noite seria tranquila. Dormiu, então, um sono pesado e com sonhos sem pé nem cabeça dos quais não se lembrou quando acordou.

Abriu os olhos, esperando que o sol já tivesse retornado. Assustou-se quando viu que não era o caso.

- Só dormiu três horas, meu amor - Odile o acalmou.

Nikki a encontrou, então, na escuridão. Nada mais era escuridão, pensou. Marama iluminava a noite como Sonca iluminava o dia e eles não tinham mais o que temer.

A rainha puxara a outra cama do quarto que dividiam aos pés da janela e ele nem ao menos notou durante o sono. Encostou-se nos travesseiros e debruçou-se sobre o batente. Kaha agora dormia gostoso em seus braços apoiados por pilhas de cobertores que ela encontrara no armário e a rainha não parecia confortável para soltá-lo tão cedo.

Lírio esgueirou-se para a cama dela. Mal trocaram palavras depois de tudo.

Encostou-se, assim como ela, no batente da janela, mas não olhava para a paisagem, para a lua ou para o mar. Seus olhos eram todos dela.

Odile tinha algo em mãos que trouxe em segredo de dentro do palacete. Não deixou que mais ninguém visse, a não ser Lírio. A própria coroa reluzia à luz da lua.

- A maioria das pessoas - dispôs-se a falar, interrompendo o silêncio entre eles. Não o olhava. Suas orbes eram só do lado de fora naquele instante - gosta de romantizar a insônia, já percebeu?

Nikki não respondeu. Deixou que ela continuasse.

- Já ouvi tanta baboseira... Que a lua é tão linda que não os deixa dormir, que sentem-se mais ligados aos Deuses quando é noite, que conseguem escutá-los quando estão todos dormindo. Mas é isso, Nikki, é só o que são: baboseiras.

Odile finalmente o olhou. Nikki pôde estudá-la com calma, então. O corte na garganta estava com um curativo limpo e lhe asseguraram pessoalmente que a rainha estava fora de perigo. Tinha um corte na altura do supercílio e um na boca, além das escoriações no resto do corpo. As palmas das mãos estavam raladas, mas ainda assim ela segurava Kaha com afinco e desenhava os traços da coroa delicadamente com a ponta dos dedos.

- A insônia é desesperadora, Nikki - Odile balançou a cabeça como se tentasse se recordar de quantas vezes passou as noites só. - É quando você é largado com todos os seus demônios.

Lírio aproximou-se. Odile derreteu-se. A face descansou e os vincos no rosto relaxaram quando o homem repousou os dedos em seu maxilar.

- O que aconteceu lá, Odile? - foi sua primeira de muitas perguntas. - Aquele homem, o marechal... não faz sentido pra mim. E... o rei... você o matou, meu amor?

Odile não tinha mais lágrimas para chorar. Sentiu-se exausta. Lírio prosseguiu:

- Não consigo imaginar como está se sentindo.

Chamas de Petrichor {trilogia}Onde histórias criam vida. Descubra agora