Se precisasse descrever a sensação, diria que era como renascer. O perdão do Oráculo fez com que o coração da rainha ficasse leve como plumas ao léu. Deixou aquele comércio abandonado com a cabeça mais erguida do que quando entrou. Seu lábio inferior tremia de determinação. Cássio estava morto, assim como Jacquelin. Azura e Aurèlia não estavam ali e não sabia como funcionava a defasada hierarquia da Pedreira. Qualquer que fosse, era ela quem tinha o poder ali. Ela era a rainha de todas as terras, de tudo o que o sol podia tocar, mesmo que esse andasse sumido.
Odile caminhou por entre pessoas desesperadas, saqueadores em busca de comida e remédio, andou contra a maré e mesmo assim não se deixou abalar. Seus passos a guiaram até a praça central onde tudo acontecia.
Lírio, de cima da catedral, viu-a aproximar-se do palco. Ele arfou e voltou-se para o pesado sino atrás de si. Puxou a corda e deixou que o som do sino ecoasse pela Pedreira. Todos calaram-se.
A atenção de todos os desesperados e perdidos voltou-se para o palco, instintivamente, a estrutura caindo aos pedaços que sustentava os que ousavam falar. Para a surpresa de todos, quem subiu naquele patamar foi ninguém menos que a própria rainha. Odile tirou a máscara que cobria sua boca e nariz e soube que foi reconhecida por todos os pedreiros. O sino cessou. Com palavras, o apedrejamento começou.
A rainha ouviu pacientemente. Palavras duras como rochas foram atiradas em sua direção e esta apenas fechou os olhos, inspirando profundamente, pagando seus pecados. A neve gelada que caía sobre a Pedreira a cobria dos pés à cabeça. Sentiu os cílios e cabelos carregados pelos flocos brancos. Lembrou-se que sempre quis ver a neve, mas não assim.
- Vadia!
- Genocida!
- Assassina!
- Matem ela!
- Peguem ela!
Odile abriu seus olhos. Xingaram tanto que se cansaram. A palavra era dela. Mais uma vez, a portadora das más notícias.
- Jacquelin está morta - não usou do eufemismo em suas palavras. Estas calaram os últimos indigentes. A neve frígida que persistia em ambientar o fúnebre cenário da Pedreira era a única que ainda se movimentava por entre os cidadãos. Processaram o que aquilo significava. Mais e mais, os pedreiros reuniam-se pela praça, todos voltados para o palco. Se Jacquelin estivesse morta, quem os lideraria? - E o xamã também.
- Mentirosa!
- Se eu estiver mentindo, que os Deuses me façam cair morta agora mesmo - com o tom orador e superior que aprendera a usar, Odile captou a atenção dos espectadores. - Me escutem. Precisam ouvir alguém. Se ainda quiserem me matar depois disso, eu me entrego a vocês de bom grado.
Lírio sentiu o coração palpitar. Rapidamente desceu as escadas da catedral. Esperava que Odile soubesse o que dizia. Não aguentaria perdê-la outra vez. Ouviu-a prosseguir, sua voz ecoando pelas janelas arejadas da abadia.
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Chamas de Petrichor {trilogia}
FantasíaEra curta a lista dos medos que afligiam a pequena garotinha de olhos cinzentos. Primeiro, Azura não gostava do escuro. Ela era nascida de Petrichor, descendente de Sonca e Marama, os deuses do Sol e da Lua. Qualquer ausência de luz causava-lhe um p...