O Vale de Awa nunca assemelhou-se tanto a um quebra-cabeças onde tantas peças faltavam.
Os pássaros do Bosque das Lamúrias cantaram melodiosas canções aos ouvidos dos sobreviventes e bravos Kinos, anunciando o nascer de Sonca em mais um esplendoroso dia, como se a noite anterior, de tamanha desgraça e tristeza, pudesse ter sido apenas um terrível e coletivo pesadelo.
Aurèlia viu-se no comando de um povo que confiava nela, mesmo que internamente ela não confiasse. Não para tomar decisões de âmbitos tão substanciais. As olheiras da Kino evidenciavam que a madrugada não fora fácil. A chuva e o frio foram o que menos lhe preocupou, acostumada às drásticas mudanças de clima daquelas terras. O que lhe afligia era não saber onde estavam os outros que ela amava. Onde estava seu pai.
Entretanto, aquelas questões foram guardadas em seu âmago quando reuniu-se com as poucas pessoas que confiava ali. Entre elas, viu quando Azura juntou-se a Dante, Frey e Lírio. Este, por sua vez, trouxe a rainha. Aquela pequena reunião tinha um clima carregado que transgredia o habitual.
- O que faz aqui? - Aurèlia fuzilou Azura, não sabendo de onde vinha a fúria que sentia por ela, mesmo após a garota ter se justificado. Nada tinha a ver com a fatídica descoberta da clareira.
- Eu a chamei - Dante foi mais rápido, respondendo pela nova amiga.
Aurèlia calou-se. Seus olhos rapidamente encontraram a rainha, cuja mão direita segurava com delicadeza o braço de Lírio.
- Quer nos contar algo, Lírio? - com evidente deboche, Frey tomou iniciativa. Aquela história pouco contada era como uma pulga atrás da orelha dos desentendidos.
Lírio e Odile encararam-se. Não tinham mais o que esconder.
O homem, então, contou-lhes do passado. Apresentou-lhes o velho Nikki. Contou-lhes como apaixonou-se por uma sublime jovem da nobreza e foi dado como morto quando tentou fugir com ela, sua bela Daisy. O destino os uniu ali, depois de anos e histórias vividas.
Aurèlia cruzou os braços.
- E por que deveríamos confiar nela? - a Kino murmurou, fuzilando a rainha.
- Porque digo que podem - Odile disse pela primeira vez, retomando a postura intimidadora que aprendera a ter quando lhe era cabível. - Fiz coisas horríveis no passado, eu sei, e não tenho desculpas ou justificativas. Hoje quero apenas seguir em frente - seus dedos escorregaram pelo braço do homem que amava e entrelaçaram-se com os seus. - Quando fui embora, queria apenas encontrar meu filho. Entretanto, eu vi a vida por outros olhos. Vi o que fiz e o que fez meu marido. E acabei reencontrando o amor de minha vida.
Todos os olhares recaíram sobre ela. Lírio apertou sua mão.
- Não precisam me perdoar, mas podem me usar - a rainha continuou. - Sohlon me quer de volta e estou bem aqui, me unindo aos que querem derrubá-lo - suas palavras doeram em seu peito, como se fosse uma facada. Ela estava traindo o homem que um dia amou. - Posso ser útil.
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Chamas de Petrichor {trilogia}
FantasyEra curta a lista dos medos que afligiam a pequena garotinha de olhos cinzentos. Primeiro, Azura não gostava do escuro. Ela era nascida de Petrichor, descendente de Sonca e Marama, os deuses do Sol e da Lua. Qualquer ausência de luz causava-lhe um p...