Gaia estava com o corpo trêmulo dos pés à cabeça, mas não ousou parar por um segundo sequer. Não conseguia mais chorar, por mais que procurasse por suas lágrimas. Por pouco teve Kaha nos braços e o deixou escapar. Falhou com Odile e com o pequeno príncipe. Como se não bastasse essa dor, Osi estava morto. Ela nunca ouvira Isaac chorar como chorou, nem quando perderam Mirza.
O que mais lhe machucava era não ver uma luz no fim do túnel escuro. Nada poderia fazer por Kaha ou por Isaac, muito menos pelo pobre Osi do qual nem ao menos se despediu.
Abriu a mochila e despejou todos os mantimentos de cima da mesa. Era a segunda que enchia.
- Gaia - ouviu Nafré a chamando.
A mais velha viu sua irmã caçula com os olhos inchados e olheiras carregadas, agasalhada e com a mochila nas costas.
- Está pronta? - indagou, sem cessar suas tarefas. Esperou por uma resposta, mas esta não veio. Ela olhou novamente para o rosto da irmã, esperando sob o batente da porta da cozinha, e viu as lágrimas banharem seus olhos. Uma expressão de dor estampou-se em seu rosto. Assim que viu que a irmã mais velha a olhava, não conseguiu sustentar as lamúrias. - Ah, Nafré...
Gaia tomou-a em um abraço apertado. A loira logo relaxou em seus braços e soluçou toda a dor para fora. Gaia já não sabia dizer o que mais lhe machucava.
- Vamos, Nafré - a irmã mais velha beijou a testa da mais nova. - Não há mais nada para nós aqui. Esteja pronta em cinco minutos.
Gaia deixou-a e adentrou o corredor escuro.
- Aonde vai? - a voz manhosa da loira indagou.
- Eu volto já. Cinco minutos!
Encontrou-o onde sabia que estaria, no lugar mais doloroso da casa: o quarto de Osi.
O corpo sem vida do garoto ainda jazia na cama, coberto até a cabeça, como se estivesse apenas dormindo. Do lado da cama, sentado no chão frio, Isaac bebia uma garrafa de vinho pela metade, envelhecida e com cheiro de vinagre.
O homem pouco se importou. Três deles se foram e eram cada vez menos. Perderam Mirza, Kaha, e Osi. Dois deles, Isaac amou tanto que não sabia botar em palavras. O elo mais forte que tinha com Iara escapou por seus dedos e ele não pôde fazer nada.
Achava já conhecer a dor do luto. Mirza, Osi, Iara e o filho que nunca batizaram. Achou que pudesse doer menos, que com o tempo fosse aprender a lidar com a dor, mas percebeu que certas coisas não se tornam hábitos. Osi era sua âncora. Agora, não tinha nada que o mantivesse são.
O crisantiano olhou para Gaia, parada na porta como uma alma penada.
A mulher aproximou-se dele vagarosamente. Abaixou-se ao seu lado e percebeu ter medo de não encontrar palavra alguma para falar.
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Chamas de Petrichor {trilogia}
FantasyEra curta a lista dos medos que afligiam a pequena garotinha de olhos cinzentos. Primeiro, Azura não gostava do escuro. Ela era nascida de Petrichor, descendente de Sonca e Marama, os deuses do Sol e da Lua. Qualquer ausência de luz causava-lhe um p...