Odile escorregou do palacete aos estábulos, agradecendo a Shirley por ter lhe cedido roupas que lhe permitiam correr. A lateral de seu corpo estava enlameada por onde deslizou até lá, desviando de trilhas asfaltadas e lugares onde pudesse ser vista. A chuva a acometera assim que pisou do lado de fora do palacete. Ainda era uma garoa fina e incômoda, gelada e penetrante.
A mulher adentrou os estábulos e fechou as portas assim que passou. Sentiu o cheiro forte do feno e de alguma forma aquele odor lhe trouxe conforto. Nenhuma tocha ali estava acesa e a mísera luz de fora não era suficiente para lhe fazer enxergar os animais, mas ela os ouviu relincharem à sua chegada. Não soube dizer se eram boas-vindas ou ameaças. Correu, então, para o penúltimo cavalo enfileirado naqueles cubículos, segurando-se para não cair e cambaleando como se ébria. O animal que ela usava quando decidia escapar da vida de rainha a recebeu com um relincho entusiasmado e Odile sorriu. Abriu o portão do cubículo e tateou a escuridão até encontrá-lo. Quando o fez, acariciou sua crina e o animal pareceu mais calmo, apesar da agressividade dos ao seu redor.
Com prática, Odile o montou e fugiu dali, veloz, com mais um aliado. Correu para encontrar os seus nos portões.
Aurèlia percebeu quando sua determinação afogou-se aos poucos na chuva que caía, agora mais espessa e inebriante. Escondeu-se nas costas de uma pilastra de madeira na varanda de uma casa cujos moradores abandonaram há tempos.
Recuperou o fôlego que fugia com o pânico.
Tateou o próprio corpo à procura de ferimentos, trêmula de frio e apreensão. Estavam perdendo. Não encontrou nada que pudesse sentenciar sua morte, até então. Os ferimentos eram superficiais ou hematomas que começariam a doer no dia seguinte, se ela ainda estivesse ali para ter um. Só sairia daquela guerra vitoriosa ou morta. Se vitoriosa, não se importaria com dor alguma.
A Kino viu-se covarde. Deixou a espada cair ao lado do corpo e espiou por detrás da pilastra. Crisântemo era uma zona de guerra onde dois lados engabelavam-se, sabendo que aquela era a única chance que teriam de continuar ali.
Aurèlia não sabia onde terminava o seu povo e começavam os soldados, mas tinha uma certeza pungente que não queria admitir: estavam perdendo.
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Chamas de Petrichor {trilogia}
FantasíaEra curta a lista dos medos que afligiam a pequena garotinha de olhos cinzentos. Primeiro, Azura não gostava do escuro. Ela era nascida de Petrichor, descendente de Sonca e Marama, os deuses do Sol e da Lua. Qualquer ausência de luz causava-lhe um p...