As mãos de Gisèle e Tereza grudaram uma na outra como se tivessem cola. Poucas foram as vezes em que temeram tanto ir às ruas. Se o cenário não fosse tão caótico, curtiriam o ambiente carregado de tochas que iam de um lado para o outro e os murmúrios dos pedreiros de lá para cá.
Elas mantinham as máscaras coladas no rosto. Não conseguiam deixar de julgar os que não o faziam ou simplesmente deixavam os narizes para fora. Pessoas estavam morrendo, fosse o que fosse aquela doença que fazia os olhos sangrarem escuro. Era apavorante.
- O que vamos fazer? - a loira indagou. Tereza aprumou-se ao lado dela ainda mais.
- Você tem dinheiro?
Gisèle levou a mão livre aos bolsos da calça. Para seu alívio, tirou dali duas notas de vinte pedras.
- Estamos ricas - a loira brincou.
- Esconda isso, Gis - a ruiva pediu. - Aonde consegue tanto dinheiro, mulher?
- Vendi uns coelhos.
- Carne de coelho cairia bem agora.
- Com certeza - o estômago de Gisèle roncou. - Não dá para caçar nesse breu.
- Então vamos improvisar.
Dentre aquele mar de pessoas que evitavam ao máximo se encostar, Tereza encontrou um rosto familiar. Reconheceu a simpática mulher que lhe vendeu a deliciosa rosquinha de goiabada com queijo dias antes do Vale de Awa mergulhar no terror.
A ruiva puxou Gisèle em direção à senhora. A daviliana não discutiu.
- Dona Charli! - Tereza gritou quando aproximou-se dela.
Charli já não tinha mais o simpático olhar no rosto. Tentava passar despercebida nas sombras abundantes da terra que amava. Cobriu o rosto com as mãos quando Tereza correu em sua direção.
- Fique longe, menina - a senhora ordenou. Os olhos de Tereza perderam a cor. - Num sei se tu tá doente. Tá todo mundo doente.
Gisèle apertou mais firmemente a mão de Tereza.
- Dona Charli, estamos com fome - sua voz soava desesperada. - A gente tem que alimentar um bebezinho, o pequeno Cöda...
- Num tenho comida para tu hoje, menina - apesar das palavras pesadas, as duas davilianas ouviram o pesar na voz da senhora. - Meu marido tá de cama. Minha filha, ela...
Lágrimas brotaram dos olhos de Charli.
- Eu sinto muito, Dona Charli... - Tereza sentiu vontade de abraçá-la, mas pouco sabia dos riscos de um gesto que tanto amava. Gisèle puxou-a um passo para trás, mas a ruiva recusou-se a ir embora. Não conseguia imaginar como aquela pobre senhora, antes tão cheia de vida e alegria, estaria se sentindo. - Sinto tanto...
Um sorriso triste e melancólico surgiu no rosto da mulher infeliz, desaparecendo tão rapidamente que Tereza não tinha certeza se ele realmente estivera lá.
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Chamas de Petrichor {trilogia}
FantasíaEra curta a lista dos medos que afligiam a pequena garotinha de olhos cinzentos. Primeiro, Azura não gostava do escuro. Ela era nascida de Petrichor, descendente de Sonca e Marama, os deuses do Sol e da Lua. Qualquer ausência de luz causava-lhe um p...