98. Vagalumes

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Aurèlia chorou todas as dores, dormiu toda a exaustão que o momento permitia e finalmente se levantou

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Aurèlia chorou todas as dores, dormiu toda a exaustão que o momento permitia e finalmente se levantou. Deixou as almofadas empoeiradas do sofá com o formato de seu corpo e percebeu o quanto os olhos estavam inchados, as narinas obstruídas e como tudo o que queria naquele momento era pedir ao pai uma xícara do chá de gengibre que só ele acertava o ponto e voltar a se deitar, sem hora para acordar. Frey adorava o chá de gengibre.

Obrigou-se a sair daquela casa, daquele recanto com cheiro da família que não teve a mesma chance que ela de estar ali.

A Kino tratou de agir. Os que restaram na Pedreira olhavam para ela quando esta saiu às ruas, a cabeça erguida. Escondeu as dores em um lugar para cavar mais tarde. Confiavam nela. Azura confiava nela. Deu a ordem para que todos estivessem prontos para partir em duas horas. Esperava que as contas que fez com Azura batessem. Àquela hora, já deviam estar em alto-mar.

Duas horas.

O que faria em duas horas?

Suas pernas a guiaram antes que se desse conta da resposta.


Não o encontrou em sua antiga casa. Foi encontrá-lo apenas quando seguiu as indicações dos outros pedreiros.

A Kino sentiu vontade de sorrir ao vê-lo, ao abrir as grandes portas da biblioteca pública, mas tão logo quanto veio, a vontade passou. Lírio não tinha um sorriso no rosto e não parecia feliz por vê-la. Ela não o culpou, apesar de machucar.

O Kino parecia devastado, tanto quanto ela. Estava recostado em uma estante de livros logo em frente à porta. Uma vela era tudo o que o iluminava. O ar viciado tinha cheiro de papel velho e poeira. Entretanto, era onde ele preferia estar. A biblioteca era seu abrigo desde que precisou deixar a humilde casa que tomou por sua. E de Odile.

Aurèlia ousou fechar a porta ao entrar, apesar da recepção pouco acalorada. Em silêncio, observou-o. Lírio desceu o olhar novamente para uma figura que dormia ao seu lado, quieta e pequena. Tinha os cabelos sedosos para fora de um cobertor e a cor mel brilhava à fraca luz da vela. Lili.

A Kino ouviu da boca de Dante todas as histórias sobre Lírio, em um resumo rápido que deixava a desejar. Como ele estava feliz com a rainha e se dava bem com o príncipe. Como ele reencontrou o irmão distante e ganhou de praxe uma grande família: um garoto que beirava a idade adulta, um bebê de colo e uma pequena garotinha que não lhe largava. E como tudo desmoronou tão rápido.

Com passos calculados, a Kino aproximou-se do homem como quem se aproxima de um animal feroz e imprevisível. Quando Aurèlia abaixou-se ao seu lado, todavia, a feição de Lírio debulhou-se em uma expressão chorosa. Olhou fundo nos grandes olhos castanhos da Kino e procurou pela mulher com quem partilhava os dias na Pedreira. Encontrou-a e permitiu-se baixar as defesas.

Aurèlia jogou-se em seus braços, exausta, mas grata por estar ali. Se ainda lhe restassem lágrimas, choraria no colo do amigo sem vergonha alguma. O homem a abraçou de volta, envolvendo-a com os braços fortes fadigados.

Chamas de Petrichor {trilogia}Onde histórias criam vida. Descubra agora