Odile correu. A adrenalina encobriu toda a dor que sentia. A dor na glote, a dor no peito. Sohlon estava certo e ela sabia. Entretanto, um dos dois morreria naquela noite. Ela não podia se deixar abalar por palavras.
O rei abaixou-se com a investida nos olhos que quase o cegou, mas recuperou-se. Virou de costas e viu a rainha arrastar-se até a faca. O ódio subiu-lhe a cabeça e ele a alcançou. Puxou seus calcanhares e a rainha gritou em protesto, mas voltou-se para ele. Ele fez o mesmo com os joelhos da mulher e a trouxe para mais perto. Odile, sabendo que ele a subestimava, despejou uma joelhada no maxilar do homem e escapou. Levantou-se e correu até a faca. Tomou-a em mãos e colocou-se em posição de luta.
Viu Sohlon se levantar e olhar dela para a espada na cama.
Os dois correram até ela e a mulher a alcançou primeiro. Odile ameaçou jogá-la para longe, mas Sohlon a interceptou. Puxou-a pela blusa e jogou a mulher na cama outra vez. A espada foi ao chão. A rainha tentou acertá-lo com a faca, mas o rei montou sobre ela.
Ia cantar vantagem, humilhá-la, dizer o quanto passaram deliciosos momentos naquela cama para terminarem daquela forma, mas Odile reergueu-se. Conseguiu tirar uma das mãos dos apertos de Sohlon e, vendo-se livre, arranhou-lhe a garganta. O rei desestabilizou-se e ela conseguiu livrar-se dele. Não o atacou, entretanto. Resolveu se livrar da arma que seria sua perdição se ele alcançasse. Escorregou para fora da cama e logo levantou-se. Um chute certeiro e a espada voou pela janela estilhaçada.
Odile olhou para o rei. Sohlon estava com os olhos arregalados. Aquela espada era seu xodó. Era com ela que treinava todos os dias ao lado de Roto, cuja traição ainda não engolira.
A rainha viu no homem que conhecia tão bem. Sohlon estava aos frangalhos. As lágrimas negras voltaram a escapar.
- Sua traidora - cuspiu as sentenças de ódio.
A rainha e ele circundaram o quarto, mantendo sempre a mesma distância. Sohlon tirou da bota uma adaga. Estavam com armas semelhantes e nenhum dos dois era acostumado com estas.
Odile teve medo que as palavras lhe destruíssem ali.
Ela ficou entre Sohlon e a porta de saída. Poderia sair correndo, mas não o faria. Não sem antes terminar o serviço que começou.
- Acha que vão perdoá-la pelo que fez, Odile? - Sohlon tentou. Rodou a adaga em mãos. - Eles nunca vão te perdoar, está entendendo? Mesmo se vocês vencerem essa guerra estúpida que criaram só para matar gente dos dois lados, a primeira coisa que vão fazer é te jogar na fogueira. Não, isso seria fácil. Você matou os filhos dessas mães, desses pais. Eles vão fazer você sofrer, Odile. E eu pagaria pra ver.
Odile engoliu em seco.
- Eu sei.
- Então por que está desse lado, sua estúpida?
A mulher olhou para o chão por um mísero instante antes de olhar para os olhos de Sohlon. Surpreendeu-se ao não vê-los mais negros. Suas íris estavam de volta, e ela conseguiu lê-lo perfeitamente, como sempre o fez. Sohlon estava despedaçado. Naquele instante, era apenas ele. Pouri não estava lá, o que tornou tudo surpreendentemente mais difícil.
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Chamas de Petrichor {trilogia}
FantasyEra curta a lista dos medos que afligiam a pequena garotinha de olhos cinzentos. Primeiro, Azura não gostava do escuro. Ela era nascida de Petrichor, descendente de Sonca e Marama, os deuses do Sol e da Lua. Qualquer ausência de luz causava-lhe um p...