Tanto sentiu que não soube nomear os próprios sentimentos. Pescou no peito uma pontada de dor e muito rancor, determinação e sede por vingança. Azura caminhou por entre os cinzentos que pareciam sentir o mesmo que ela. Não viu apenas desespero, apesar de esse estar exalando no ar como um delírio coletivo. Viu um povo que preparou-se arduamente para lutar desde antes mesmo de ela começar a andar.
- Azura - uma voz a alcançou. Ela voltou-se para ver Holga correndo para pôr-se em sua frente. A mulher negra arfou. - Lilo disse que o comando é seu. O que vai fazer?
Holga lhe passava tanta imponência quanto qualquer autoridade. Era forte e autoritária, mas parecia disposta a seguir o que ela dizia.
- Não devem ser mais de trinta, quarenta.
- E por que acha isso?
- Vimos um pequeno grupo em Vocra. Se forem só eles...
- Acha que entrariam com menos de uma centena em uma terra onde esperam encontrar resistência?
- Esperam? - Azura contestou. Holga calou-se. - Você conhece a região, Holga. Nos guie então. Se partirmos daqui com cinquenta cabeças, conseguimos bater de frente com eles e segurar as pontas até que nosso povo esteja pronto para dar o fora daqui.
- Nosso povo? - Holga ergueu as sobrancelhas.
- Se não se lembra, sou tão cinzenta quanto você.
Holga abriu a boca para discutir, mas logo a fechou. Achou-a insolente, mas não deixou de admirá-la pela coragem das palavras.
- Cinquenta cabeças, então - concordou. - Esteja no topo da colina em quinze minutos.
- Onde?
- Na casa onde acordaram, garota - Holga gritou, já distante. - Te trarei um exército.
Azura concordou. Com toda a movimentação que lhe cercava, acabou esquecendo de detalhes importantes daquela terra. Estavam cercados por criaturas de dentes navalhados que poderiam acabar com aquilo em segundos, se quisessem. Seus olhos procuraram no céu pela massa preta que chamava de amigo e encontraram Tohrak não tão distante dela, olhando-a como se a seguisse. Seus olhares se cruzaram. Não sabia como fazer com que eles a ouvissem, mas talvez, sendo muito otimista, conseguiria que Tohrak lutasse ao seu lado. Rumou para a colina e certificou-se de que o amigo alado a seguia.
Holga arrumou cinquenta cabeças voluntárias, como prometido. À contragosto. Cinquenta lhe parecia um número tão mísero que nem para bastar de força-tarefa para limpar o templo soava como suficiente. Azura, entretanto, estava decidida. Deslumbrou-se com os que pararam em frente aos seus olhos quando finalmente subiu com Kohan para a colina de onde vieram, uma das últimas casas limiares entre a Cinzas em ruínas e a Cinzas reerguida. Entre eles, poucos rostos conhecidos, entretanto, o que ela achou ser para o melhor. Por mais que o pensamento lhe soasse um tanto egoísta, estava cansada de perder faces conhecidas.
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Chamas de Petrichor {trilogia}
FantasyEra curta a lista dos medos que afligiam a pequena garotinha de olhos cinzentos. Primeiro, Azura não gostava do escuro. Ela era nascida de Petrichor, descendente de Sonca e Marama, os deuses do Sol e da Lua. Qualquer ausência de luz causava-lhe um p...