- Mais baixo, Aurèlia - seu pai aconselhou, repousando a mão sobre o corpo da flecha que a filha tentava atirar no alvo. - Desse jeito vai acertar o chapéu de palha do Seu Ramiro.
A Kino tremeu. Seus dedos cheios de unhas recém roídas estavam com as pontas brancas pela força em que segurava o arco e flecha, aquele instrumento que tanto insistia em aprender a usar, mas que parecia fugir de sua alçada.
Aurèlia mirou no alvo que ela mesma pintou. Não estava distante, tampouco perto, um cavalete com uma tábua de madeira e nada mais.
O sol forte abençoava a Clareira naquele dia, uma manhã primaveril em que as árvores exibiam suas cores e variedades em seu auge de esplendor e todos pareciam bem humorados, andando para lá e para cá, meneando por terras livres escondidas dentro do Bosque das Lamúrias.
Aurèlia inspirou profundamente. Fez tudo o que seu pai lhe disse para fazer. Posicionou o corpo corretamente, estudou o trajeto que a flecha faria, e a atirou. Esta nem ao menos chegou perto do alvo, voando para o lago e juntando-se às outras dezenas que ela atirara só naquela manhã.
Frustrada, a garota bufou. Bateu os pés no chão. Antes mesmo de voltar-se para seu pai com uma feição de desapontamento, viu outra flecha passar ao seu lado e fincar-se no centro do alvo, perfeitamente. Ela olhou para trás. Passos distante, Frey sorriu.
- É assim que se faz, Aurèlia - a mais nova brincou, caindo na risada.
- Não fale assim com sua irmã, Frey - Cássio a repreendeu.
- Ela não é minha irmã, pai - Aurèlia esbravejou. Com seus catorze anos, sentia fúria todas as vezes em que Frey tocava em um arco e flechas. Como poderia aquela pirralha de dez anos ser tão melhor que ela? Nunca acreditou em talento nato. Acreditava que a habilidade vinha do suor. Como poderia então Frey ser tão boa, sendo que quem suava e suava e estudava era ela?
- Aurèlia - Cássio fuzilou-a sob as palavras.
- Não tem problema, não - Frey aproximou-se e cruzou os braços. - Isso é inveja.
A Frey de dez anos tinha os cabelos ainda mais armados, talvez pelo comprimento. Os fios desvairados que não lidavam bem com a temperatura do Bosque batiam na altura de seus ombros. Tinha as sobrancelhas ainda juntas e pouco se importava com vaidade. Aurèlia já entrara na puberdade e a imagem lhe era essencial. Estava sempre com os cabelos castanhos escovados e hidratados com o óleo que extraía do coco que pegavam lá da baía de Arande.
Cássio afastou-se, desistindo de apartar aquela disputa diária entre as duas. Deixou que os Deuses lidassem com as filhas, para o bem de sua própria saúde mental.
Aurèlia retornou para o arco e posicionou outra flecha.
- Está fazendo errado - Frey cochichou.
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Chamas de Petrichor {trilogia}
خيال (فانتازيا)Era curta a lista dos medos que afligiam a pequena garotinha de olhos cinzentos. Primeiro, Azura não gostava do escuro. Ela era nascida de Petrichor, descendente de Sonca e Marama, os deuses do Sol e da Lua. Qualquer ausência de luz causava-lhe um p...