Seus passos até o palco foram sem pressa. Azura deixou que o mundo parasse ao seu redor e olhou cada um que passava por ela. Viu traços dos cinzentos, dos pedreiros e refugiados. Viu bruxos. Encontrou abraços distantes e dolorosos, choros de angústia e lágrimas de alívio. Estava impassível, contornando a maré bagunçada que a empurrava para todos os lados no centro da Pedreira.
Está quase no fim, pensou. Aguente aí, Azura.
Sua voz interior, assim como o próprio vento, tinha a voz de Nero.
Quando chegou aos pés do palco aos destroços, parou. Ele estava vazio, como se todos tivessem convencionado que os que subissem ali tinham algo a falar. Ela tinha.
Pendurando-se nos pedaços de madeira que desfaziam-se sob seus dedos, impulsionou-se para cima. Com certa dificuldade, subiu.
Os murmúrios ao seu redor foram parando aos poucos, mas ainda estava avoada. A dor alfinetou-a outra vez. Lembrou-se de uma noite não tão distante em que encontrou Düran ali. Aquele, antes de ser o palco das palavras, era o refúgio do petrichoriano. Ele escrevia e escrevia folhas sem fim que ela nunca teve acesso, ele nunca deixou. São o que me deixa são, Azura, ela recordou-se de sua voz. Caminhou para o canto onde ele sempre se ajeitava sobre uma pilha de caixas vazias e largadas que não servia para ninguém. Não naqueles tempos. Agora, não estavam mais lá. O palco estava vazio, limpo. Azura parou sobre o local onde Düran sempre descansava e escrevia. Uma tábua rangeu sob seus pés, ela ouviu, apesar do coro ao seu redor.
Os olhos da petrichoriana, com a visão embaçada e desfocada, olharam para baixo. Ela tirou os pés de cima da tábua que rangeu e percebeu, esperançosa, que um pedaço da estrutura estava solto. Rapidamente abaixou-se e tirou os cabelos da frente do rosto. Seus dedos trêmulos procuraram pelos vãos da tábua e, quando finalmente conseguiu, tirou-a dali. Arfou.
Os papéis ali escondidos estavam manchados, molhados, mas inteiros o suficiente para que ela reconhecesse a caligrafia garranchada do amigo.
Ela tomou-os. Tocá-los foi como tocar Düran. Ela leu as últimas palavras que ele escreveu antes de partirem e cada sentença soava como ele. Um soluço escapou-lhe pela garganta e não conseguiu contê-lo, ignorando os olhos que sabia que voltavam-se para ela.
Por entre palavras borradas e letras indecifráveis, Azura leu seu nome. Apenas aquele trecho específico que lhe citava estava intacto. Com uma das mãos sobre a boca, segurando as lamúrias, o leu.
Quando por fim conseguimos que o Sol retornasse depois de uma semana para nos trazer um pouco mais de esperança, Azura tirou a blusa que lhe cobria os braços. Foi um choque para todos ver suas tatuagens de Petrichor e eu lembro de tantos olhos brilhando.
A petrichoriana sorriu.
Sim, era ela!, a garota que sobreviveu aos massacres, que instigou-os a continuar. Agora estava ali. Foi quando percebi que Azura tornou-se o rosto daquela rebelião. Nem mesmo ela percebera no que acidentalmente se transformou.
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Chamas de Petrichor {trilogia}
FantasyEra curta a lista dos medos que afligiam a pequena garotinha de olhos cinzentos. Primeiro, Azura não gostava do escuro. Ela era nascida de Petrichor, descendente de Sonca e Marama, os deuses do Sol e da Lua. Qualquer ausência de luz causava-lhe um p...