Contaria nos dedos das mãos quantas vezes sentiu tanto medo.
Sentada no mesmo cavalo de Roto, seguindo na frente de um batalhão como um troféu exposto, Odile tremia dos pés à cabeça, cansada de machucar-se ao tentar lutar para ter Kaha nos braços. Ela ainda ouvia os berros de seu bebê em algum lugar, em um colo desconhecido e não amigável, arrancado dos braços de Gaia e impedido de ficar nos da mãe.
Esperava que seu filho entendesse. Ela o queria bem. O queria em seu confortável colo, sentindo o pouco calor de seu corpo. Desejava saber ao menos se ele estava quente e bem alimentado.
A respiração de Roto em seu cangote a fazia encolher-se cada vez mais. Ele não lhe disse nada desde que saíram da Pedreira, mas ela sabia que escutaria muito daquele homem.
Seus pensamentos voltavam o tempo inteiro para a Pedreira. Para Nikki, para Lili, para um povo inteiro morrendo de fome e doenças e ainda sendo acometido por uma onda de soldados e sem ter para onde correr. Sabia que tirá-los de lá lhes daria apenas mais tempo, mas não outra chance. Seu peito gritava de dor conforme as lágrimas escorriam incessantemente. Não sabia ao menos se Nikki sobreviveria ao que Roto lhe causou. Tudo o que queria naquele momento era voltar-se para trás e matar aquele homem com as próprias mãos. O faria, sem dúvida, se não fosse por Kaha. Seu filho não sabia defender-se sozinho ainda, então ela precisava fazer isso por ele. Aguentar um pouco mais até ter um plano em mente.
Lágrimas de chuva caíam do céu negro e morto quando os portões de Crisântemo se abriram para eles.
Os olhos da rainha arregalaram-se ao ver o quão bem estruturada estava aquela terra. Parecia ainda mais bela do que em seus dias mais belos. Então é isso o que o Deus das Trevas tem a oferecer, pensou consigo, só precisa da promessa dessas pobres almas no além-vida. Promessas de dor.
Os soldados do rei foram recebidos por uma salva de palmas, de exclamações de poder e uma gritaria incessante que machucou seus ouvidos. Ela estava na frente, guiada pelo marechal, que desfilava como se fosse o próprio rei. Seus soldados marchavam igualmente importantes, recebidos com glórias por terem matado famílias inocentes em uma terra próxima.
Odile perguntou-se o que contaram àquele povo. Se estavam sendo enganados com promessas de uma vida boa em troca de devoção ao Deus das Trevas e à coroa, ou se aquelas almas sempre foram podres como se mostravam.
A rainha lembrou-se de um passado distante, de quando entrou naquelas terras montada em um glorioso cavalo vinho e foi precedida por todo seu cortejo. Era o cerimonial de seu casamento com o rei. Estava bela como as pinturas das catedrais e todos os ladrilhos de Crisântemo estavam forrados por pétalas de rosas vermelhas e brancas e azuis e amarelas. Seu povo jogava flores sobre ela e ela ria e sorria, achando que aquele seria o momento mais feliz de sua vida. Por um dia, foi.
Agora, aquele mesmo povo cuspia injúrias sobre ela. Ela não mais os reconhecia. Achava que encontraria opressão por onde andasse no Vale de Awa, mas já devia esperar um cenário diferente. Sohlon era persuasivo.
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Chamas de Petrichor {trilogia}
FantasyEra curta a lista dos medos que afligiam a pequena garotinha de olhos cinzentos. Primeiro, Azura não gostava do escuro. Ela era nascida de Petrichor, descendente de Sonca e Marama, os deuses do Sol e da Lua. Qualquer ausência de luz causava-lhe um p...