Ele fechou os olhos, fazendo algo que aprendera recentemente. Sorriu ao lembrar de um passado próximo, mas que lhe parecia tão distante. Estava na cama com Azura, naquele colchão que chamavam de cama, naquele armário que chamavam de quarto, isolados na Pedreira e Kohan estava frustrado, furioso após um dia intenso levantando barreiras, discutindo com pedreiros insolentes que não lhe respeitavam a autoridade. Azura, entretanto, estava em paz.
- Como faz isso? - perguntou à ela, deitado e de carranca fechada, admirando-a como se uma estátua em um museu, pacífica como as esculturas de mármore das catedrais.
- Isso o quê?
- Está sempre calma - comentou. Tirou com a ponta dos dedos uma mecha do rosto da mulher.
A petrichoriana ajeitou-se na cama e deitou-se ao seu lado, olhando-o nos olhos. Eram tempos em que o sol ainda brilhava. Se punha naquela exata hora do dia e levava com ele o calmante som dos pássaros que cantavam sobre a janela do casebre, anunciando a hora de Marama brilhar. Os raios fracos de Sonca invadiam o quarto e refletiam nos olhos cinzentos da mulher, naquele sorriso que tornou um pouco de paz ao dia do arandiano.
- Vou te ensinar o que meu pai me ensinou.
Kohan sorriu com a lembrança, ainda com os olhos fechados e pouco se importando se estava parecendo um estúpido nas ruas de Cinzas. Tudo que Azura lhe ensinou dali para frente, não só naquele pôr-do-sol de um dia estressante, mas todos os dias antes de se deitarem, o homem tomou como doutrina de si próprio.
Inspirou os cheiros da cidade, cravo e canela; ouviu os sons das crianças correndo, dos cinzentos trabalhando, das risadas gostosas de amigos conversando despreocupadamente, o bater de asas de um dragão, a brisa agradável que lhe trazia um cheiro familiar e reconfortante.
Kohan abriu os olhos e a viu parada ali, admirando-o com o mesmo semblante pacífico que ele amava ver. Não gostava de vê-la como viu na noite passada. Incomodada, no mínimo, nos braços de outro homem. Machucou-lhe, mas não admitiu. Talvez por orgulho, talvez por ela. Sua vontade era de ter arrebentado o nariz de Düran, principalmente por pressioná-la daquele jeito. Entretanto, no fim, foi a ele quem ela seguiu. Era ele quem ela procurava agora com um sorriso sereno.
Lado a lado, trocando conversas despreocupadas e fazendo piadas como faziam antes de não terem mais clima para tal, ladearam Cinzas de ponta a ponta, aquele pedaço reconstruído e renascido como o próprio nome daquelas terras - das cinzas de um povo que primeiro se levantou, a terra onde ambos nasceram mas não cresceram. Já esperavam que o tempo de paz fosse pouco, mas não pensavam que findaria tão cedo.
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Chamas de Petrichor {trilogia}
FantasyEra curta a lista dos medos que afligiam a pequena garotinha de olhos cinzentos. Primeiro, Azura não gostava do escuro. Ela era nascida de Petrichor, descendente de Sonca e Marama, os deuses do Sol e da Lua. Qualquer ausência de luz causava-lhe um p...