Futuro - Amanhecer

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Ai ai ai, só digo uma coisa, sim eu criei um mago fodidamente lindo, eu sei!

"Acabou" – Shara internalizou, pela milésima vez desde que ela chegou, seus olhos ainda fechados, enquanto tentava sem sucesso dormir, naquela usual porém desconfortável cama da enfermaria, ela estava exausta, mas nem todo o cansaço do mundo seria capaz de faze-la parar, não com todo o êxtase que ainda corria em suas veias e não com todas aquelas cenas, sendo revividas e assistidas em sua mente como se fosse um loop sem fim, ela havia passado a noite em claro, vendo seu pai morrer, inúmeras e inúmeras vezes, aquela certamente havia sido a noite mais longa de toda a sua vida, o tempo parecia ter parado ali... parado naquele exato instante em que ela sentiu que a morte a estava rondando, sim... aquela sensação era inexplicável, algo inexplorável até mesmo por alguém como Shara que costumava oscilar tanto em suas emoções a ponto de desejar um encontro com ela... talvez a morte fosse mesmo um ser, como descrito no conto dos três irmãos... um espirito, um fantasma, uma alma, enfim... seja lá qual fosse a descrição mais apropriada para ela, mas a morte era real, e sua presença podia ser sentida por aqueles que estavam próximos a encara-la, e Shara havia estado ao lado dela essa noite, ela sabia.

Acontece que Shara não queria morrer, era estranho e confuso ao mesmo tempo, mas a verdade é que pela primeira vez depois de tanto ela desejou de todo o coração não morrer, e digamos que seu desejo tenha sido atendido, da pior forma possível, uma troca havia sido feita e alguém teve que ir em seu lugar, a morte não voltaria sozinha... ela havia vindo buscar alguém ali, e Shara sabia... na verdade ela sempre soube... e nada mais precisava ser dito, quando ao ouvir o barulho do corpo cair sobre o chão, por Merlin, ela sabia que a partir daquele momento, nada mais seria o mesmo, ela sabia que seu pai faria a troca, sim ele havia feito, se sacrificando em seu lugar, a morte não retrocedia, não havia simplesmente como desfaze-la, a morte era objetiva, era cruel e era fria, ela fazia o seu trabalho, Shara sentiu uma lagrima escorrer pela sua bochecha... tudo aquilo ainda era tão vivo e real, aquela dor... não havia como esquecer o que ela havia sentido ali, Shara deixou a lagrima deslizar e molhar a fronha do travesseiro, ela podia sentir o novo dia chegando, sim estava quase amanhecendo... um novo dia de fato para todos.

"Acabou" Shara repetiu tentando convencer a si mesma de que uma parte, pelo menos uma grande parte daquilo havia mesmo acabado, e a tempestade ganhado um novo significado para ela naquela noite, e numa fração tão pequena do tempo, segundos talvez, a tempestade havia sido ignorada, deixada de lado, nenhum trovão, raio a paralisaria diante da morte, a morte o havia levado, seu peito doía... algo havia sido arrancado de dentro dela, havia apenas o vazio agora, sim aquilo era sobre todo o vazio que ela havia sentido, o vazio da perda de algo tão importante para ela, o vazio doía, Elza... mais uma vez havia sido ela... mas Shara não se importava mais com Elza, nem com a tempestade, talvez não se importasse com mais nada, afinal a vida não teria sentido algum... sem ele, Shara havia se jogado contra o seu corpo frio e imóvel, aquilo foi intenso... ela havia perdido tudo ali... e ela chorou, como nunca antes, ela o acusou, gritou com ele, alegou que ele não havia cumprido sua promessa, o chamou de mentiroso, sim ela precisava culpa-lo, não era justo, não depois de tudo, não depois de tanto... e foi ali que ela entendeu sobre os níveis de sofrer, afinal a dor do desconhecido, a dor de não ter uma família, crescer num lar, era diferente, muito diferente da dor de perdê-lo, havia um rosto agora, uma identidade, havia afeto, sim havia amor... ela o reconhecia como uma figura paterna, ele era o seu pai... o melhor pai que alguém como ela poderia ter.

Mas era imensuravelmente incrível como tanta coisa podia mudar em tão pouco espaço de tempo, da morte a vida, havia uma chance afinal... a borboleta azul... era improvável que um ser como aqueles estivesse ali numa noite como aquelas... Shara parecia se lembrar dela, sim aquela borboleta... ela era tão parecida com a borboleta que estava com ela no banheiro da escola depois da aula de geografia quando Shara tentou tirar a vida pela primeira vez naquele dia... a borboleta azul era o único ser que havia visto o que ela havia feito ali, sua dor e suas lagrimas e agora a borboleta estava ali outra vez para ela, e havia pousado sobre as vestes dele, bem à altura do coração... chamando sua atenção para o sangue, as vestes estavam rasgadas e a adaga ainda cravada em seu peito... ele havia tirado a vida, antes mesmo de Elza faze-lo, e então tudo fez sentido, e de uma forma estranha Antony parecia compreender aquilo também, eles sabiam exatamente o que precisava ser feito, havia de fato uma chance, eles já haviam feito algo similar antes com Catie na ala hospitalar... feito aquilo que Elza havia prometido e deveria ter feito pela sua mãe.

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