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- Ei, mocinha - ergo a cabeça dela para cima.

A menina está se portando igual à uma drogada. Seus olhos estão muito esbugalhados e parece que ela vai vomitar.

- Você namora?
- Sim - ela me olha, revirando os olhos por causa da dor.

Ah, está explicado: grávida, só pode estar grávida. Tem outra explicação? Troco de nome se eu errar.

- Quero que faça um exame de sangue - apalpo os olhos dela. - Tenho quase certeza de que você está grávida.

Ela fica imóvel e me encara, perplexa. É, garota, você pode estar grávida, sim.

- Grávida? Não! Eu só tenho quinze anos, doutor, está muito cedo.
- Sexo nessa idade também é muito cedo - repreendo-a.
- Não duvido muito que o senhor não faça também.

O quê? Mas é muito petulante mesmo. Começou a me irritar. Encaro ela, impassível. Ponho as mãos na borda da mesa, impedindo sua passagem.

- Em primeiro lugar não me compare com você, eu tenho vinte e seis anos e você quinze, em segundo não costumo comentar com os meus pacientes a minha vida sexual.

Ela engole em seco.

- Vou lhe passar um medicamento, garotinha. Isso é enjoo - murmuro já zangado.

***

A faculdade está cheia de alunos, todos do outro lado do Rio de Janeiro. Alguns até mesmo de outro país.

Depois de revisar a lista dos alunos que Elliel, Oliver e eu iremos dar aula, entro na sala de anatomia, no terceiro andar. Jovens estão tensos e curiosos, uns com medo, outros apreensivos ao se deparar com corpos estendidos nas mesas metálicas.

Todo mundo me olha quando entro. Há cerca de cinquenta alunos dentro do laboratório. Oliver e Elliel estão no meio da turma, me esperando. Corro os olhos para a grande sala em busca de algo marcante, único. Ao lado da janela, há uma menina de cabelo diferente das outras. O cabelo dela é vermelho-laranja e longo, a garota é muito magra. Parece uma modelo. E é linda, também. Pelo visto, é a única que destaca o laboratório, o resto é morena. Nem loira tem, é impressionante.
- Olá, Leonel - diz Elliel, o médico mais velho, todo posudo em seu jaleco.
- Olá.
- Está pronto para enfrentar mais uma vez essa turma?

Dou um sorriso de canto de boca.

- Sempre estou pronto, Elliel.

Caminho no meio da sala com a postura reta e o rosto trincado de tão sério, e paro no centro do laboratório.

- Prestem a atenção. Eu sou o Dr. Leonel Blanchard, especializado em cirurgias gerais e ortopedia, fiz faculdade de medicina em Bordeaux, na França. Sou muito famoso internacionalmente, tanto eu quanto o Dr. Oliver Lins e o Dr. Elliel Mandubi. Alguns aqui já conhecem as regras, as duvidas daqueles que gostam de filosofar vão ser tiradas no final das aulas.

Os alunos me olham atentamente. Estão tensos, acho. Continuo:

- Eu detesto curiosos, vou deixar bem claro, então, não venhe me fazer perguntas imbecis. Aceitarei apenas perguntas sucintas - digo, com a voz grossa.

Eles notam cada detalhe em mim, na minha voz e na minha postura. Uns me olham de cima para baixo, outros são bem sérios.

Sou um dos professores mais azedos da Faculdade de Medicina. Não curto brincadeiras.

As meninas são as que prestam mais a atenção, uma até arrisca um sorriso de lado comigo. E a ruiva... Bom, parece inteligente e bobinha ao mesmo tempo. Ela também não deixa de me olhar, mas de maneira diferente. Muito intenso...

- Não pense vocês que eu sou do tipo brincalhão, comigo não tem essa.

Observo todos, principalmente, as meninas, que não param de encarar um cadáver de um senhor já decrépito. É assim que funciona no começo, de cinquenta restará trinta alunos.

O cheiro de formol é insuportável dentro do laboratório. Quase fico sem ar.

Ajeito os óculos transparente acetato, Cutler and Cross of London azul. Não sou ruim de vista, mas uso por estilo. Ele é do tamanho médio e quadrado.

- Dividiremos um grupo de sete pessoas daqui a uma semana, depois, vamos começar a dissecação. Ah, - ergo o dedo indicador - fica e aguenta aquele que é forte.

Estudar medicina às vezes chega à ser nojento.

Minha estúpida obsessãoOnde histórias criam vida. Descubra agora