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Encontro Tânia na cozinha, bem cedo, assim que acordo para tomar café da manhã.
- Bom dia, doutor - ela sorri.
- Bom dia, Sra. Bouvier - sorrio também. - Não precisava trabalhar hoje.
É domingo e meus funcionários não trabalham. Tânia é a única que persiste em me fazer companhia, mesmo quando estou acompanhado.
- Ah, faço isso porque gosto.
- Depois do café, pode ir embora, se quiser.
- Está bem.
Tânia coloca meu café na mesa do bancada com cautela, em seguida tira o avental.
- Sente-se, Tânia, tome café comigo.
Ela dá um sorrisinho, sentando à minha frente sem hesitar. Tânia é diferente dos outros funcionários - que parecem ter medo de mim - ela me entende e está sempre disponível.
- E então? - digo.
Tânia franze as sobrancelhas. Claro, nunca tive tempo para conversar com ela, sempre agimos com formalidade.
- O quê?
- Como anda a sua vida?
- Bem, obrigada. E a sua?
- Ótima.
Dou uma garfada nos ovos mexidos. Tânia e eu ficamos em silêncio por um tempo até termos algo para falar.
- O senhor teve uma discussão com a Srta. Winkler ontem, não é?
- É.
- Eu ouviu tudo
Tânia também começa a comer.
- Tânia, quero um conselho seu.
Ela fica mais surpresa ainda e até pigarreia.
- Diga.
- Você trabalha comigo há anos e sabe como eu sou, sabe também com quem andei me relacionando. A Esther não sabe do meu passado nem da Jaqui, um dia eu vou ter que contar. Mas é provável que ela me deixe ao descobrir toda a minha sujeira. O que eu faço?
Tânia me encara.
- Bom, o senhor não deve mentir numa relação séria. Mas é grave o seu caso?
- Muito.
Ela esfrega o queixo, pensando.
- Eu posso ajudar o senhor, é só me chamar quando for contar a ela a verdade. No começo da sua relação, percebi que o senhor não queria nada com ela. Estou certa?
- Sim.
- Diga isso também. E, se não quiser machucá-la com as palavras, use um eufemismo.
Um eufemismo? Ah, fala sério.
- Não sei se vou encontrar um eufemismo para cada palavra que sair da minha boca. Vai machucar ela de qualquer jeito, a Esther não é burra. Eu já passei por isso uma vez - murmuro, cabisbaixo.
- O senhor sabe que essa mentira não vai durar. É melhor contar antes que ela saiba pela boca de outra pessoa.
- Mas quase ninguém sabe o que andei aprontando no começo da nossa relação.
- O que o senhor fez? Desculpe a curiosidade.
Olho para ela firmemente.
- Saí com duas mulheres, mas a segunda foi porque eu estava sendo chantageado. Tem mais coisas também, não posso contar, senão ela pode descer as escadas a qualquer momento.
- Entendo, doutor.
- Eu não vou conseguir seguir adiante com ela, então, estou pensando em transferi-la para uma universidade de Porto Alegre.
- Por quê?
- Porque tem que ser assim, Tânia. Ela me ama, mas eu não sou digno do amor dela. Não vou fazê-la feliz com esse tipo de pessoa que me transformei, por culpa de uma traição que abalou minha vida. Mudei meu modo de agir, me tornei um homem frio e arrogante.
- O senhor não é uma pessoa má, Dr. Blanchard. No fundo do seu coração há outra pessoa que pode salvar esse novo relacionamento. O senhor sabe do que estou falando.
Respiro. Ah! Como é bom conversar com a Tânia, ela me entende. Às vezes sou grosseiro até com essa senhora de meia-idade. Ela me conhece há muito tempo e sabe o que vivo passando.
Tânia pega minha mão sobre o bancada. Respiro, relaxando o corpo. Fecho meus olhos, agonizando a dor dentro do meu âmago, imaginando Esther indo embora.
- O senhor... - ela pausa e dá uma risada sardônica. - Não vou falar senhor porque você, isso mesmo, você, é um jovem muito bonito. Leonel, não deixe que o passado te atormente no futuro. Todos nós erramos, não somos perfeitos, mas é com os erros que aprendemos.
Continuo com os olhos fechados, ouvindo, emudecido. Ela acarecia meu rosto com a mão esquerda como se fosse minha mãe.
- Não aguento mais viver assim, Tânia - balbucio baixinho.
- Eu sei, eu venho acompanhando sua trajetória, vi você se formar, ser doutor, conquistar seu próprio negócio. Você é um filho que eu nunca tive, sabia?
Abro os olhos lentamente e encaro o dela. Um filho que ela nunca teve. Isso explica tanto cuidado que ela tem comigo.
- Eu não sei como você me suporta. Não ando tratando ninguém bem há muito tempo.
- Mas eu entendo sua raiva. Vou contar uma coisa: eu também fui traída por uma pessoa que eu achava ser merecedora do meu amor. Mas eu me enganei, assim como você. Porém, eu perdoei para não me sair prejudicada. É o que eu lhe digo: perdoe. Isso será sua salvação.

Minha estúpida obsessãoOnde histórias criam vida. Descubra agora