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NO DIA SEGUINTE, acordo saltitando da cama com o celular tocando, dou uma fugada no nariz e passo a mão no rosto antes de atender. Será que é Karla? Ainda são cinco da manhã. Cinco horas?! Quem está se atrevendo a me ligar às cinco horas da manhã?! Filho da puta, eu estou cansado, daqui a pouco tenho que trabalhar.
- Alô - digo irritado, a voz grossa.
- Oi, Leonel.
- Quem é? - altero a voz.
- Sou eu, Esther.
Ah, céus! Tenha paciência, é a sua ruivinha.
- Ah, oi. Por que não me ligou mais tarde, Marihá? Ainda são cinco horas da manhã.
- É que eu estava muito preocupada.
Levanto-me da cama e dou um passo até a varanda. O asfalto ainda está no processo de vaporização.
- Preocupada por quê?
- Porque você não me atendeu ontem à noite. Já era umas dez horas quando liguei.
Você estava transado com a Karla, esqueceu?
- Ah, eu estava trabalhando, desculpe - minto.
- Eu... - ela emudece por um tempo.
- Diga.
- Hoje é um dia especial para mim, você sabe - murmura.
Eu sei?
- Sei, Esther - minto de novo. Não sei. Droga! Mas vou deixar passar. O que é?
- Eu adoraria passar o dia com você, se você não se importar.
- Não posso, desculpe. Você sabe como é, médicos sempre têm que estar disponível no hospital o dia inteiro - passo a mão na cabeça.
- Hum. Tudo bem, me desculpe por atrapalhar o seu sono. Vou desligar - murmura num tom baixo, parece meio tristonha.
- Mas podemos sair hoje depois da faculdade.
- Não vou poder.
- Por que não?
- Porque tenho muita coisa para estudar e quero dormir mais cedo.
- Como quiser.
- Tchau.
- Tchau.
Dia especial? De quê? Desligo e vou para o banheiro tomar banho. Os empregados estão todos trabalhando; por fora, está o Bernardo e a Yara, por dentro, Tânia e Pérola. Desço para tomar meu café da manhã.
- Tão cedo acordado, doutor. Ainda são cinco e quarenta - diz Pérola.
- Pois é. Me ligaram e acabei perdendo o sono.
- Bom dia, Dr. Blanchard.
- Bom dia, Tânia.
- Vou trazer o café.
- Obrigado - olho para Pérola, que está à minha frente feito uma estatua. Franzo a testa.
- Hã, está flertando comigo, Pérola?
- Não, doutor, me desculpe - ela sai meio atrapalhada e com vergonha. Tânia vem com o meu café, irradiante.
- Permita-me fazer um comentário, doutor?
- Sim.
- O senhor está muito chique hoje - ela sorri.
- Obrigado, Tânia.
Ela é uma senhora, por isso não me importo com os seus elogios, mas, se saísse da boca de Yara ou Pérola, eu não ia dar prioridade nenhum, eu sei o devido lugar dessas assanhadas.

ESTOU GUIANDO OS alunos até o laboratório onde estão os doze cadáveres para serem estudados. Cadê a Esther? O resto dos professores estão me ajudando a acalmar a multidão dos cinquenta alunos. O laboratório é grande e espaçoso, está com um cheiro muito forte, o ar gela todo mundo aqui dentro.
Esther surge na porta com Yany, ela está rindo de algo, Esther não. Ela está sorrindo disfarçadamente como quem quer escapar de uma pessoa insuportável, como Yany, por exemplo. O que aconteceu? Por que está chateada? Será que é comigo? É obvio, Leonel.
Os grupos se divide em sete pessoas. A aula vai começar. Todos estão de jalecos.
- Pessoal, vocês vão estudar anatomia por um ano, vão examinar, descobrir doenças, como encontrar veias e etc. Vamos começar com o básico - clico com o mouse na pasta de imagens no telão. - No decorrer do tempo, vamos analisar os sistemas a seguir: sistema esquelético, articular, nervoso, muscular, cardiovascular, respiratório, digestório, linfático e endócrino - digo profissionalmente, olhando para cada um deles, inclusive, para Esther, que nem está prestando a atenção.

Minha estúpida obsessãoOnde histórias criam vida. Descubra agora