Capítulo 15

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O AEROPORTO ESTÁ cheio de gente. Corro os olhos para todos os lados. Esther vai embarcar daqui a cinco minutos. Será que nunca mais vou vê-la? Será que o futuro nos espera? Realmente, eu gostaria de tentar uma vida com essa menina, mas tudo foi por água à baixo.
A fila grande de pessoas se aglomera na porta do avião com destino à capital do Rio Grande do Sul. Vim disfarçado para Esther não notar minha presença. Meu traje é preto e branco - parecendo um fugitivo da polícia.
Yany está ao seu lado, as duas conversam um pouco e depois se abraçam, despedindo-se uma da outra.
Esther entra no avião e nesse exato momento meu coração fica despedaçado. Eu nunca vou encontrar uma mulher igual a ela. Nunca! O avião prepara para decolar. Observo tudo me sentindo enervado. Adeus, minha Marihá.

O LABORATÓRIO DE anatomia já não é mais o mesmo. As aulas que dei agora a pouco foram fracas, desanimadas. É o meu último dia como professor na Faculdade de Medicina. Vou dar uma pausa como professor, apenas seguirei como médico. É dolorido demais entrar na sala e não ver a Esther.
Olho para todos os cadáveres à minha volta, lembrando-me das perguntas de Otaviano. É claro que eles têm histórias. Minha ignorância descarta os alunos a querer saber.
Otaviano surge pela porta do laboratório.
- Boa noite, doutor.
- Boa noite.
Ele se aproxima. Sorrio meio sem graça.
- O que foi? - pergunta ele, demonstrando preocupação.
- Nada. Me desculpe por ter o tratado com arrogância nesses últimos tempos.
- Não tem problema.
Viro-me para encará-lo.
- Otaviano, é claro que todos eles têm histórias.
- Eu imaginei. Por que eles estão aqui?
- Porque quando estavam vivos queriam que seus cadáveres fossem estudados pela medicina. Este aqui - aponto para um senhor de meia idade - foi um grande terapeuta, ele faleceu porque sofreu um acidente de carro quando vinha para o Rio apressadamente.
- E esta? - ele toca o rosto de uma mulher jovem.
- Ela foi secretária do presidente Henrico Bruscky.
- Ela trabalhava aqui?
- Sim. Conhecia todos muito bem. Ela se suicidou porque descobriu que o namorado estava com outra.
- Morreu por uma coisa banal - comenta, estupefato.
- Pois é. Aqueles três, próximos à entrada do laboratório, são mendigos que ficavam num viaduto do lado da faculdade. Não achamos parentes para assumir os corpos, então a justiça mandou para cá.
- Como era chamado todos eles?
- A secretária, Lorraine Willians, o terapeuta, Paulo Inglesas e os três ali só conhecemos por apelido, Quiqui, Cascão e Lulu.
Ele fica pasmo, mas contém a emoção e aponta para mais dois cadáveres.
- Dra. Candelária Phoebe, nutricionista, faleceu por conta de um tumor que afetou seu cérebro e Carlos Fechner, era filósofo da UFRJ. Foi morto num assalto a banco quando saía do local com mais de dois mil dólares.
O rapaz fica atônito diante de tantas revelações que ficaram guardadas durante todo esse tempo. Caminhamos pelo corredor juntos, já fora da sala.
- É impressionante a história deles - comenta, absorto.
- "O tamanho das perguntas determino o tamanho das respostas ".
Ele me olha e sorri.
- Você vai ser um grande médico, Otaviano. "A vida é um ponto de interrogação. Cada ser humano, seja ele um intelectual ou iletrado, é uma grande pergunta em busca de uma grande resposta".
- Eu fiz a coisa certa em perguntar, mesmo sabendo que o senhor não gosta de curiosos?
- Fez muito bem, rapaz.
Passamos pelo portal da entrada e depois paramos.
- Escute, Otaviano.
Ele me olha.
- Você quer ser um bom cirurgião?
Ele sorri.
- Sim, doutor. É com professores como o senhor que aprendemos.
Suspiro e depois sorrio.
- Para vencer na vida, exija muito de si e pouco dos outros!
Entrego um bilhete em suas mãos, viro à esquerda e saio.
- Lembre-se disso, jovem.
No bilhete estava escrito:

"Os fracos usam armas; os fortes, as ideias!"

MINHA CABEÇA GIRA por conta da dor, vejo várias pessoas ao meu redor, todos me atormentam, todos! Começo a gritar dentro de casa sem entender o motivo. Me ajoelho no centro da sala, vendo sombras negras à minha frente, muitas, elas me olham meio saturninas. A maior de todas faz um gesto com a mão para mim, e eu obedeço, pegando uma tesoura pequena no bolso do jaleco.
O que esse demônio quer comigo? Aponto a tesoura para o peito. Uma parte de mim quer morrer, outra quer me arrastar para a vida de novo.
As sombras negras ainda estão à minha frente, são muitas pessoas dentro da sala.
- Doutor! Doutor! - grita Tânia.
Ela me sacode várias vezes, me tirando do mundo assombroso. Ela está perplexa, as lágrimas caem quando Tânia se ajoelha junto a mim. Deixo a tesoura cair no chão.
- O que está fazendo?
Demoro a voltar do transe.
- A Esther... Tânia... me ajude, eles estão aqui - murmuro.
Ela olha para os lados, confusa com tudo.
- Doutor, pare.
- As sombras.
- Não tem ninguém aqui.
- Eles estão atrás de você.
Ela olha mais uma vez para trás. A tremedeira me atormenta, respiro, arfando.
- A minha Esther... Eu quero ela, Tânia.
Desando a chorar de repente.
- Eu mandei ela embora. Por quê? Por quê?
Tânia me envolve num abraço apertado.
- Shhh... Calma, calma.
- Tânia, busque ela - peço entre soluços.
A sombra negra ascende uma tocha de fogo em nossa frente. A maior de todas, com vestimenta e tudo. O que é isso, meu Deus?
- Eles estão aqui - repito. - Cadê a Esther? Eu sou um desgraçado, Tânia.
- Não, meu filho.
- Esther! - grito. - Não fui homem o suficiente para admitir que te amo. Eu te amo, Esther! Te amo, meu amor! - grito alto demais.
- Doutor, por favor.
- Eu amo você, Esther. Perdão, meu amor! - digo em prantos de choros, abraçado a Tânia.
Minha família entra em casa. Compreensivos, eles me abraçam ali mesmo, no chão, entendendo que tudo acabou para mim. A minha felicidade se chamava Esther e eu a mandei embora.


Continua...
Minha Estúpida Coragem
no Wattpad.
Na narrativa de Esther Winkler Marihá.

Obrigada por ler☆

Minha estúpida obsessãoOnde histórias criam vida. Descubra agora