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Ficamos assim por um tempo, sorrisos se encontrando. As vezes, um ou outro, desviava o olhar por 1 segundo mas logo, eles se encontravam.

Nós sorríamos involuntariamente, feito bobos.

Eu estava tentando decifrar o que era essa sensação que eu sentia com ele perto.

Era outro, com a guarda abaixada e conversando sem grosseiras e patadas. Sem vestir a pose de um bicho, de um carrasco.

Quando estávamos assim, quando ele estava assim, parecia, bem loucamente, que tudo era ou poderia ser, diferente.

Senhor gelo, virava senhor fogo e era quente. Um velho ditada bem dizia, que quem brinca com fogo, se queima. Eu não sabia se valia a pena, a essa altura, se queimar mas, com aqueles olhos em cima de mim, não estava em questão o raciocínio para velhos ditados.

Parei de encara-lo, sua boca já estava tirando minha atenção. Me virei para olhar os carros, novamente. Gustavo percebeu e fez o mesmo.

— Sim.

Murmurou ele, brevemente.

— Sim o que? -

— Eu toco gaita.

Respondeu, sorrindo e balançou a gaita, me encarando rapidamente. Sorri de volta.

— Você ficou lindo tocando com essa paisagem de fundo. Precisava ver, merecia uma foto.

Deixei escapar. Eu era um perigo conversando com ele assim, soltava muitas coisas.

Os olhos de Gustavo se perderam em mim, enquanto sua expressão pensativa rondava seu rosto. Fiquei encucada com um possível clima que criei naquela fala.

— Como você descobriu isso aqui?

Troquei de assunto. Ele respirou, balançando a cabeça devagar.

— Meu pai me trazia pra cá quando eu era moleque. Eu não entendia muito bem, tinha a inocência comigo ainda. Não via graça em ficar lá em baixo, com um monte de mulher semi-nua. Eu era um moleque curioso. Eu descobri isso aqui seguindo uma aranha, acredita?

Ele contou, empolgado. Parecia lembrar de cada detalhe ao falar.

— Sério? Que bizarro.

— Sim. Eu segui ela com a lupa, queria ver se ela me levava até a sua família. Gostava dessas paradas. Depois que descobri, nunca mais larguei. Meu pai me deu umas porradas quando descobriu, eu quebrei essa porta aqui e trazia meus brinquedos escondidos aqui pra cima. Depois de um tempo, ele aceitou tranquilo. Aqui encima eu podia ser quem eu quisesse ser. Ele deixava eu fazer tudo que eu queria, ainda mais depois da..

Gustavo travou. O semblante ficou sério e deu para perceber ele engolindo em seco.

— Depois da...?

Insisti, curiosa.

— Depois da morte da minha mãe.

Sua voz saiu falhada.

Senti calafrios percorrem meu corpo, a dor em seu rosto foi nítida. Estendi minha mão, acariciando seu braço. Queria demostrar apoio. Ele me olhou nos olhos.

Agora eu tinha total certeza de que aquele homem gelo era total fogo por dentro, Gustavo era gente e isso nem era ironia, era uma descoberta realmente reveladora.

— Você quer falar sobre isso?

Perguntei, ô encarando de volta.

— Não.

Respirei aliviada.

— Glória a Deus, misericórdia. Eu sou horrível nesses assuntos, viado. Puta merda, sério mesmo, sou tenebrosa. Glória a Deus.

Me expressei com toda sinceridade. Acho que até um pouco demais. Gustavo soltou uma gargalhada.

— Você é engraçada. Pra que perguntou, então?

— Sei lá, faz parte do modelo. Sempre vi nos filmes e novelas, a pessoa olha pra outra, nessas situações e pergunta: quer falar sobre isso? Só repeti, achei que era o momento. Não me julga, ok? Eu queria ajudar, só sou ruim.

Expliquei, gesticulando com as mãos e rindo. Fazia sentido na minha cabeça mas em voz alta ficou péssimo.

Gustavo continuou rindo e era sincero, dava pra perceber com o tom elevado de sua risada.

Sua atenção se prendeu em mim quando ele procurou ar. Os olhos brilhando, a boca semi-serrada sorria e de repente, silêncio.

— Onde você tava, garota?

Ele sussurrou.

Meu coração saiu pela boca por alguns segundos. Duas respirações ficaram ofegantes, juntas. Os olhares se perderam entre a boca um do outro.

Eu esqueci completamente como se formulava uma frase para responde-lo. Se quer tinha uma resposta para aquilo.

— Você não..

Gustavo continuou, pausando. Sempre parecia pensar no que falar para mim, em como falar.

— Eu não, o que?

— Você não tem medo de mim?

— Eu deveria ter medo de você?

Cutuquei, confesso.

— Você tem?

Ele devolveu.

— As vezes.

Ele me olhou, confuso. Parecia esperar algo diferente.

— As vezes, quando?

— Quando você resolve ser o Gustavo que bateu no meu rosto pela primeira vez, faz atrocidades como me tirar da minha casa, da minha família para me colocar nesse lugar, o cara que tirou o futuro de todas essas meninas, só vive dando patada em tudo e em todos e que apontou aquela arma para Manuela, eu tenho.

Respondi, durante.

— E as vezes que não tem?

Ele insistiu.

— Eu ainda não sei bem te dizer o que em mim não tem medo. Não sei bem quem é você. O Gustavo que cuidou de mim no escritório, me dando remédio, o que me beijou no escritório, ele não me dá medo, ele é diferente. O cara que estava tocando essa gaita, o que acabou de conseguir ter uma conversa gentil e me contou sobre sua inocência de criança, não me assusta. Ele me faz pensar que, o que eu vejo nos seus olhos, pode ser ou é real.

Gustavo prestou atenção em todas as palavras que saíram da minha boca, atentamente.

Respirei fundo, acho que tudo o que eu pensava em falar para ele saiu como um peso das minhas costas.

Ele levantou, bruscamente e me puxou contra si, colando nossos corpos. Eu fiquei a parecer uma boneca de pano nesse momento.

— Gabriela...

Ele falou, serrando nosso lábios.

— Oi..

— Com você, eu só estou conseguindo ser um Gustavo.

Fechei meus olhos, enquanto ele entrelaçou as mãos nos meus cabelos.

— Qual?

— Esse!

Gustavo mordeu meu lábio inferior, chupando. Dei espaço e sua língua entrou desesperada dentro da minha boca. Ali, tudo se entregou, tudo se conectou. Nos devoramos em um beijo cheio de vontade.

La putaOnde histórias criam vida. Descubra agora