(1996) Quando Kate vai embora - por @juliagavillan

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Lembro-me bem do reflexo dos meus olhos no espelho. Borrados pela maquiagem que se desfazia pelas lágrimas pesadas, como pedaços de minha alma se desprendendo de mim. A incerteza era claramente exposta por eles, e as lágrimas que derramava não a aliviava ou diminuía. Há pouco tempo, naquela cama agora vazia, no calor daqueles braços, falava apaixonadamente a ele da certeza imensa de nosso amor, e que queria estar junto dele todos os dias de minha vida. Juntos, um olhando nos olhos do outro, juramos amor eterno, amor além da vida. Agora preciso partir, e me vejo na impossível tarefa de me conformar com minha própria partida e com a probabilidade de não vê-lo novamente, de não poder mais estar naqueles braços, de não poder sentir novamente aquele cheiro. Dor! Minha alma dói, e a verdade mais ainda. Lembro do meu reflexo no espelho da penteadeira, do cheiro da madeira envelhecida, da bagunça cotidiana. Sinto raiva! Raiva de quê? Um olhar pesado recai sobre meu corpo e penetra minha alma, é a ultima vez que sinto aquele olhar me invadir como sempre fez, tentando despir camadas de sentimentos confusos e feridas. Que feridas?! Tento, tento e digo: "Vou embora!". Nessa hora, acredito que ele não me vê. Ele me dá as costas, para em frente à porta, respira profundamente, reunindo todas as suas forças para então abri-la. O vejo sair daquele quarto, mas o incômodo fica. A porta não se fecha, mas escuto ao longe o barulho de pequenas esferas caindo desgovernadamente no chão. Meu desejo era sofrer? Objetivo alcançado.


O Lado Escuro da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora