(2002) Tom: O longo caminho de volta

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O telefone toca e reconheço imediatamente o número no visor. Normalmente, é a Kay que vem me dando notícias. Eu estou em uma impaciência filha da puta. Sabe aquela história de que, quando algo dá errado, desce o inferno todo junto? Minha vida anda assim, não que estivesse uma maravilha antes, veja bem. Mas os últimos dois meses andam batendo o recorde.

Pelo menos, o que Kay tem para me dizer é bom. Henry está legal, vai receber alta. Eu e Vince crescemos a uma rua de distância. O pai dele não era nem de longe o mais legal da turma, mas é gente boa dentro de certos limites, e porra, é o pai do Vince. O cara tinha acabado de perder a mãe, ia ser muita sacanagem ficar sem o pai um ano depois. A notícia também é boa porque a irmã do Vince vai ficar uns dias em Manchester com o Henry, o que significa que Vince está voltando para me render no estúdio. Esses dias longe estão me deixando puto, e por todos os motivos do mundo.

-A gente chega amanhã e você já vai amanhã mesmo? – Kay pergunta ao telefone.

-Tô desligando e fazendo a reserva no voo.

-Calma, Tommy, vamos pensar.

Puta que pariu, como assim "Calma"? O que tinha para ser pensado?

-Sei lá – Kay se explica. – Essa história é bizarra demais. Toda ela, entende? Tô tentando não tomar partido, sou amiga e amo os dois.

-Porra, Kay!

-Mas quero vocês dois juntos, sempre! – Ela acrescenta rapidamente. – Só acho que você não está abordando o problema, nem da forma certa, sabe? Você quer ir pra lá, aliás, você tem de ir pra lá, já que você estão gravando o CD, mas tirando isso, você vai fazer o quê?

Cara, sei lá. Não sei de mais nada. A triste verdade é que não sei de porra nenhuma desde que essa história começou. Não sei nem se ainda sou casado, pra início de conversa. Primeiro a Malu me pediu um tempo, e puta que pariu, aquela porra doeu pra caralho, mas não parecia real, sabe? E acho que uma parte minha nunca a levou realmente a sério. Engoli uma tonelada de orgulho para ligar para o Rick achando que tudo fosse se resolver, e ela me mandou sair de casa. Nem ali eu acreditei. Comprei um apartamento pro Victor que nós (Falar "nós" está soando cada vez mais bizarro) mantemos vazio para quando precisamos de uma opção na cidade, mas não quis ir pra lá. Ia parecer mudança. Daí me enfiei no apartamento da Kay, mesmo com aquele bando de cachorro que ela tem por lá. Não quis ir pro Eddie porque a Rê pegou birra comigo e, bom, eu meio que peguei birra com o Eddie. Veio essa história de Sardenha, eu dormindo na porra do escritório, e voltei para casa durante a semana. A primeira coisa que notei foi que ela trocou a cama. Sabe aquelas paradas pequenas, mas simbólicas pra caralho? Não tive nem coragem de dormir nela, fui pro quarto de hóspedes.

E, no meio de todo esse teatro bizarro que virou a minha vida, sei que deveria estar fazendo alguma coisa, mas não sei o quê, e tudo o que consigo pensar no momento é que deveria estar por perto para ficar de olho.

-Ficar de olho no quê, criatura? – Kay pergunta ao telefone.

-Sei lá – Minha resposta favorita no momento. – Mas você não acha que ela tá muito mudada?

-Mudada demais – Ela responde, para o meu alívio.

-Porra, que parada foi aquela de sair levantando a saia pra mostrar tatuagem? Uma porra de uma tatuagem feita pelo Eddie?

-Não é? – Kay concordou. – E...

Ela se cala em seguida e sei que isso não é bom. Kay tem uma boca enorme, ela sai falando as coisas, se toca na metade e fica muda.

-O que foi?

-Nada.

-Fala, o que você tá sabendo?

-Não tô sabendo de nada, Tommy. Só... tô achando a Malu muito leve, é isso.

Cara, isso é ruim. Leveza significa que ela está feliz. E porra, quero a Malu muito feliz. Mas eu quero fazê-la feliz. Não quero vê-la assim porque ela está sem mim. Puta merda, que pesadelo.

-O que você acha que aconteceu? Como eu reverto isso?

-Deixá-la infeliz?

-Caralho, Kay, lógico que não! Como eu consigo a Malu de volta?

-Tommy, como eu vou saber? Ela não quer que você confie nela? Confie nela então, o caminho deve ser por aí.

-Não posso confiar nela se não estou com ela!

-Deixa de ser lesado, claro que pode! Você não confia nos seus amigos? Não confia em mim? Ai, Tommy, às vezes acho que você não nasceu pra essa vida. Você não nasceu pra relacionamentos, viu?

Porra, eu sei que não nasci pra essa vida. Mas me apaixonei pela Malu e quero que dê certo. Se é um relacionamento que ela quer, é um relacionamento que ela vai ter. Por isso namoramos, por isso a pedi em casamento, por isso tivemos filhos, por isso comprei essa casa que nem mesmo tem mais a nossa cama. Cuidei de tudo que era prático, amo a Malu, quero ficar com ela, mas nada disso é suficiente! Eu estou esgotado, e sinto que as únicas armas que tenho são a nossa história e o nosso passado. Confiança tem que ser trabalhada com o tempo, e a verdade é que nunca fui capaz de ir muito longe nessa área. Eu fui um babaca, ela nunca usaria drogas e jogaria a culpa no Victor. Mas será mesmo que não as usaria? E, se as usasse, não me meteria uns cornos como fez da outra vez? Eu não sei. A única condição que a Malu impôs para voltar é a única coisa que acho que não posso lhe dar.

O Lado Escuro da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora