Lance dos contatos nas mãos do Vince, que é uma pessoa tão sociável que acho que tá se candidatando à porra do cargo de primeiro ministro, entrega das bebidas atrasada, tentando treinar a Emma na merda de um trabalho que nem a gente conhece direito e olhando a lista de quem pode pegar a Malu na cidade dessa vez.
Rê tá no trabalho.
Mick, não tenho nem mais cara, ele já tem três moleques dele nas costas.
Eddie vive enrolado com a Emily, mas pelo menos ele tem uma só. Vai o Eddie.
-Você pode pegar a Malu na terapia?
-Opa, sem problema.
-Tem que pegar o Victor na escola também. Tipo, se você for dirigindo devagar, é uma viagem só.
-Tranquilo, semana passada deu tempo direitinho.
Porra, verdade. Já tinha pedido pro Eddie semana passada. Cara, se tem uma coisa que eu odeio é depender dos outros. Desde que desci do trem em Londres com dezessete anos, me virei sem nunca pedir um favor, e agora peço todo dia. Caralho, isso me deixa puto, mas a situação exige, fazer o que? Desde que resolvemos terminar a banda, o que mais acontece são coisas que eu não tô acostumado, que me deixam puto e que eu não tenho outro jeito a não ser fazer.
-Leva um kebab pra ela – Falei, antes de desligar.
-Ok.
Merda, amanhã ainda é quarta. Tenho que pensar a quem vou pedir dessa vez.
-Ei – Vince me entregou uma cerveja. Cai o mundo, o Vince não se abala. Impressionante. – Vai com calma, Tom.
-As bebidas chegaram?
-Não, essa é do meu estoque.
Abri a cerveja, puto da vida com o atraso, e Vince repetiu:
-Vai com calma.
-Porra, minha filha tá pra nascer, não dá pra ir com calma. Já viu quanto o médico cobra? O filho da puta podia se aposentar com uns cinco partos.
-Você tá bem coberto por um bom tempo, dá pra esperar as coisas andarem. Enquanto isso, a Malu tá ganhando bem, não tá?
Cara, às vezes o Vince parece que come merda. Ele me conhece a vida inteira, então como me diz uma coisa dessas? Não é assim que os Lewknors fazem, caralho. Quando eu era moleque, eu tive uma porrada de empregos depois da escola, desde entregar jornais até trabalhar na papelaria do meu pai. Meu pai tem uma papelaria pequena que dá muito mais dor de cabeça do que lucro. Porque tem isso, essa história de ter seu próprio negócio engana pra cacete. Você paga todas as contas, paga todos os funcionários, e se no final só sobrar cinquenta pence, é isso o que você vai ter pra botar comida na mesa. Lá em casa houve épocas melhores, houve épocas piores, mas aprendi duas coisas com o meu pai: Tem de pagar as contas e tem de botar comida na mesa. O caralho é que a comida na mesa, no meu caso, é uma casa enorme, viagens para o exterior em todas as férias, três carros, três crianças, escola do neto da rainha, jardim de infância sócio-alguma-coisa, o obstetra mais caro que o Reino Unido tem notícias e tudo o que o governo pode comer em imposto. Daí me dão uma porra de uma aposentadoria forçada da única forma que eu conheço de ganhar dinheiro, invisto uma fortuna nesse estúdio, se não der certo eu não faço a menor ideia do que vou fazer da vida, e o Vince me manda pegar leve. E eu, que não suporto depender de ninguém, ele quer que eu dependa justo da Malu.
-O dinheiro é dela – Respondi.
-O que você acha que ela vai fazer com o dinheiro dela?
-Sei lá, é dela, é ela que decide.
-Você é machista pra caralho, Tom. Isso tá fora de moda, sabia? – Vince deu uma risada.
-Sou nada! É o acordo, entende? Você tem seu acordo com a Kay. Vocês sempre dividiram tudo. O meu acordo foi que eu traria a Malu pra cá, daria a casa e a família que ela queria, e tô tentando cumprir a minha parte.
-Como funciona isso? Vocês sentaram, assinaram, lavraram em cartório?
Agora, além de moderno, o Vince é piadista.
-Não, mas foi isso o que eu me propus e é isso o que ela vai ter. Do jeito que ela quer. Isso se chama cuidar da sua família, asno.
-Engraçado, né?
-O que é engraçado?
-Isso não soa em nada como a Malu. Tipo, ela não passou o maior aperto com o francês lá? E não parecia se incomodar com isso. Não sei por que ela se incomodaria de não passar aperto com você, já que ninguém tá apertado de verdade e tal. Mas sei lá, quem é casado com ela é você, deve conhece-la melhor que eu.
-Se o francês não soube cuidar dela, eu sei, e agora bora voltar a trabalhar que terminou o intervalo.
E claro que conheço a Malu muito melhor que ele.
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Este POV faz parte da Semana do Tom, que acontece até dia 23/01 no grupo Realidades Paralelas da Mari
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O Lado Escuro da Lua
RomanceEsse livro é uma coletânea dos POVs de Canções da Minha Vida e Diários de Malu, à venda na Amazon.com.br. Essas visões dos personagens foram escritas pelas leitoras e, algumas, pela autora, e nasceram de uma brincadeira no grupo Realidades Paralelas...