(1996) Tom vê Malu pela primeira vez depois de 8 anos - Por @KKings

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Por @KKings

Apesar de ter estacionado aqui durante todos estes anos, a sensação de hoje é a pior. Vai ser foda subir aquelas escadas e saber que desta vez eu vou, realmente, vê-la. Todas as outras vezes, mesmo sabendo que era uma puta idiotice minha, eu sentia meu sangue gelar, numa expectativa burra e frustrante. Hoje não! Hoje ela está ali, ao meu alcance e eu pareço um adolescente idiota.

Desde que ouvi sua voz naquele maldito telefone que eu não penso em outra coisa. Tentei evitar um encontro, por pura covardia, mas de que adiantou se ela não sai da minha cabeça? Se eu fecho os meus olhos e aquela imagem fantasma que me acompanha durante anos parece mais real que nunca?

Poderia ter deixado passar batido, afinal aquele telefonema já foi o suficiente para me afetar e não sei o que vê-la pessoalmente fará comigo. Mas decidi arriscar, não só pelo prazer da presença, mas para acabar com esse medo idiota de vê-la bem, confirmar que ela é feliz, com sua família, marido... filho...

- Porra! Deixa de ser um maricas e saia logo desse carro. Vai lá, cara! Enfrenta isso e desencana!

É isso! Vai ser ótimo comprovar que o tempo passou e que cada um tem a sua vida e que aquilo tudo ficou perdido no passado.

Quando Sam me recebe, visivelmente atrasado para o trabalho com uma pasta e um casaco na mão, confesso que sinto um certo alívio por pensar que cheguei tarde e ela já se foi. Mas não. Ele me deixa a vontade, me aponta o quarto onde ela está e me deixa sozinho naquela sala que já me é familiar e acolhedora, Mas cruzar aquela porta sempre me pareceu um ato proibido e perigoso. Não seria fácil, mas eu não podia mais recuar.

A porta está aberta e penso em bater mesmo assim, antes de entrar. Mas vê-la de costas pra mim, debruçada sobre a mala, tão compenetrada e alheia à minha presença me hipnotizou. Eu não entrava naquele quarto há oito anos, mas naquele momento, parecia que eu havia saído dali há apenas algumas horas, pensando que se realmente existe um deus acima de nós, que ele me arrancasse aquela dor do peito e a fizesse me pedir pra ficar. Porque era tudo o que eu queria. Aliás, era só o que eu queria. Ficar com ela.  

A antiga TV ali quase me traz outras recordações, que eu espanto pra longe e me aproximo com cautela, a fim de aproveitar ao máximo poder vê-la sem receio que ela perceba meu nervosismo. Tento chama-la, mas não tenho voz e então me mantenho mero expectador, concentrado na sua respiração, por um tempo que não sei precisar quanto. Até que ela se levanta distraída e dá de cara comigo. Um grito assustado e aquele olhar desconcertado. É ela! A mesma menina de sempre. O cabelo um pouco mais comprido, mas igual em tudo, até na maneira de sorrir encabulada.

Tento disfarçar e soar casual, mas é difícil pra caralho, principalmente depois de abraçá-la e confirmar que ela existe realmente e que nada do que aconteceu foi fruto da minha imaginação, como tantas vezes cogitei, num estado em semiconsciência.

Ela era a mesma. Exatamente a mesma. Nos seus trejeitos todos. No jeito nervoso de ajeitar o cabelo atrás da orelha, de morder os lábios enquanto pensa pra responder, de evitar meu olhar com timidez, por ainda me parecer tão desprotegida e carente, e me causar aquela vontade de pegá-la no colo e cuidar, principalmente depois de me contar toda a história da sua mãe e seus devaneios em busca do seu lugar no mundo, o que  nos levou a falarmos sobre destino e como nossas decisões o conduz. E me fez questioná-la e obter respostas evasivas, inclusive sobre sua felicidade.

Mas o que eu estava pensando? Que ela iria olhar pra mim e perceber que nunca me esqueceu, assim como eu percebi que ela nunca saiu de mim? Que concluísse que não era feliz, e que só agora se desse conta disso? Que se declarasse e dissesse que larga tudo pra ficar comigo?

E antes que eu dissesse ou fizesse alguma merda, Renata apareceu para me salvar de mim mesmo. Aproveitei para me despedir, me sentindo patético, e agora eu tenho uma informação, e ainda não sei o que fazer com ela: Malu volta para o ritual de Singe, o que me dá algumas semanas para tentar assimilar isso tudo, porque de tudo (ou do pouco) que houve, acabei de concluir que estou MUITO FODIDO!


O Lado Escuro da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora