Eu e Kay havíamos combinado de assistir a O Exterminador do Futuro 2 porque, como sempre, ela me venceu pelo cansaço. Me amarro em O Exterminador do Futuro 1, mas a história estava fechada, estava linda, estava redonda. Nada a ver uma continuação, ainda por cima com o Axl Rose castigando a minha orelha cada vez que eu ligava o rádio. Só que ela não falava em outro assunto, apareceu com a fita e uma caixa de cerveja, e eu disse que tudo bem, desde que os bichos ficassem do lado de fora.
Estava me divertindo bem mais do que esperava quando tocou o telefone.
-Nããão – Kay rolou, dramática, pelo sofá.
-Eu atendo, não precisa parar.
-Claro que precisa! Não pode perder um minuto, Vince! Um mi-nu-to! A emoção está toda nos detalhes!
-Já venho.
Atendi o telefone e reconheci a voz do Tom.
-E aí?
-Cara, vem aqui no Eddie. Deu a maior merda com a Amber.
-O que aconteceu? – Perguntei, sentindo aquela onda de adrenalina que só um senhor susto é capaz de provocar.
-Vem pra cá, te falo aqui. E não diz nada pra Kay.
-Porra, mas tô vendo um filme com ela, vou falar o que pra sair de repente?
-Sei lá, inventa alguma coisa, caralho! Tô te esperando.
Desliguei o telefone imaginando tudo, até que a Amber estava morta. Puta casamento fodido aquele. Sabe aquelas coisas que você tem certeza desde o segundo mês que não vai funcionar? Pois é. E, de todas as merdas que podiam ter acontecido com a Amber, eu sabia que tinha alguma coisa a ver com o casamento. E, consequentemente, alguma coisa a ver com o Eddie, o que é ridículo, porque o Eddie é o cara mais boa praça que existe no mundo. A não ser que você seja mulher dele.
-Quem era? – Kay perguntou quando eu voltei à sala de televisão.
-Então, Tom bebeu todas, tá malzão, vou lá. – O filho da puta não me mandou inventar uma desculpa? Então que seja ele a desculpa.
-Não! Como ele se atreve a encher a cara no dia que eu te convenço a ver O Exterminador do Futuro 2? Não é justo!
-Desculpa, volto assim que der e a gente termina.
-O que deu nele? Eu vou com você.
-Não, fica aí. Tom sendo babaca. Bebeu demais, perdeu a carteira, não tem como pegar um táxi. Eu o deixo em casa e trago brownie pra você.
-Você? Trazer brownie? – Ela me olhou, desconfiada. – Diet?
-Não, do outro.
-Tá. Mas se tiver acontecido alguma coisa séria, eu quero saber.
Nunca minto pra Kay. Nem pra dar desculpa. Deve ter sido por isso que ela comprou a minha história tão rapidamente, o que não, não foi bacana, mas aqueles caras são meus irmãos e, se eles precisavam de mim e eu não podia envolve-la, então não a envolveria.
Eddie morava em uma casa cara pra cacete em Chelsea. Aquele ali é como Midas, gasta pra caramba e, quanto mais gasta, mais grana tem. Enquanto eu e Kate contávamos trocado para comprar nosso apartamento, ele comprou essa aqui logo que pediu a Amber em casamento. Dá pra entender e tal, Eddie nunca teve essas coisas, mas foi ali que eu comecei a desconfiar que não daria certo.
Toquei a campainha e Tom abriu a porta.
-Caralho, que demora!
-Porra, há vinte minutos eu tava sentado no meu sofá assistindo a um filme!
Tom estava estressado. Normalmente ninguém percebe isso até que ele comece a quebrar as coisas e berrar com todo mundo, mas somos amigos há tempo demais e eu já sei reconhecer os sinais.
-Seguinte, a Amber está no hospital. O Eddie tá loucaço e pirando numa história que ela fez um aborto, o Mick tá com ele, e a gente tem que tentar verificar se isso é verdade ou não.
-No hospital por quê?
-A vadia tentou se matar.
-O quê?!
Cara, o casamento do Eddie e da Amber era um inferno, mas aí já era um pouco demais. E, ao contrário de todo mundo, Tom nunca foi muito fã da Amber. Aliás, nenhum de nós três: eu, Tom e Mick. Mas é a mulher de um dos seus melhores amigos, você aprende a conviver. Só que ninguém imaginou que ela faria uma coisa dessas.
-Eddie chegou e a encontrou com os pulsos cortados, e a filha da puta deixou uma carta dizendo que fez um aborto e a culpa era dele. Ela tá viva, vai ficar bem. Vaso ruim não quebra. Só que o Eddie já chegou doido em casa, viu uma coisa dessas, tá pirando e a gente tem de achar alguma evidência que isso é verdade.
-E como a gente vai achar isso?
-Sei lá, porra! Mas não vai ser aqui conversando!
-Ok – Tentei organizar as ideias. – Armários, vamos dar uma olhada em armários, gavetas, essas coisas. De repente ela tem um diário.
-"Querido diário, hoje eu fiz um aborto" – Tom me zoou.
-Porra, vai ver que tem! Bora procurar alguma coisa!
Não foi fácil, porque o filho da puta do Eddie, com aquela mania de gastar dinheiro a rodo, tinha era coisa. E o cara colecionava de tudo. Não tinha nada que não possuísse uns duzentos itens, tudo organizado.
-Cara, o Eddie é uma moça – resmunguei, olhando os vinis dele em ordem alfabética.
-Moça nada, o cara é comedor. Devia saber disso antes de resolver se casar em seis meses com a primeira piranha que cruzou o caminho dele.
-Que merda, né? Ela enganou bem. Ninguém diria que isso aconteceria quando eles se conheceram.
-É porque mulher só se revela com aliança no dedo. Moral da história: nunca se case.
-Ei!
-Não tô falando da Kay. Ela é outro caso.
Acho super legal a amizade do Tom e da Kay, mas ela tem alguns toques bizarros. Um exemplo? O fato de nós dois, e só nós dois, a chamarmos pelo mesmo apelido. Quer outro? Às vezes eu acho que ele a idealiza de alguma forma. Não tô dizendo que ele sinta alguma coisa por ela, não nesse sentido. Mas acho que ele gostaria de encontrar alguém como ela. Não penso muito nisso, é desconfortável pra porra, mas às vezes está lá na minha frente e não tem como ignorar.
-O problema de verdade é que vocês generalizam tudo – Mudei de assunto. – E não perdem tempo procurando. Veem a primeira mulher gata sentada num parque, chamam pra um encontro e dali a pouco tão pedindo em casamento.
-Aqui! – Tom falou, segurando um papel que tinha tirado de uma gaveta. – Acho que é isso!
-O que é isso?
-Parece ser um termo de responsabilidade que a vadia fez o aborto de livre e espontânea vontade.
-Porra, então é isso! – Achamos o que havia nos levado ali, mas não estava exultante. Nem um pouco. Antes fosse uma mentira da doida. Não penso em família tradicional e filhos e acho inviável esse cenário na minha vida atual. Mas entendo de sonhos e metas, e esse era o sonho e a meta do Eddie. Aquele papel iria mata-lo.
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Este POV faz parte da Semana do Vince, que acontece até dia 30 de janeiro no grupo Realidades Paralelas da Mari
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O Lado Escuro da Lua
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