O quarto estava que não cabia mais uma pulga. Não que tivessem outras pulgas, mas mesmo sem pulga nenhuma, não caberia outra. E não é como se ele normalmente ficasse muito melhor, não sou organizada, deveria ser porque estou tentando arrumar emprego como assistente, mas sou um pavor e minha avó diz que é porque eu sou uma criatura tão enigmática que sou um enigma até para mim mesma, por isso não me acho nunca. E também não é como se o quarto fosse muito grande, pois se tivesse dinheiro para ter um quarto decente não estaria procurando emprego.
Aliás, não sei nem como sobrevivo.
Cara, que pena de mim.
Mas do que eu estava falando mesmo? Ah, é. Estava tudo cheio demais porque o Omar deu uma surtada com o telefonema da agência de emprego.
Telefonema da agência de emprego:
-Talvez finalmente tenhamos algo pra você.
-Até que enfim! Porque vocês sabem, meu tempo é precioso, tempo é dinheiro, e como não tenho dinheiro, isso significa que não tenho tempo, se bem que tô desempregada, então tenho tempo a dar com a pau, mas aí... me perdi.
-Alex, aquele atestado médico do psiquiatra é verdadeiro, não é? Porque se você não puder provar que tem saúde mental para trabalhar, vamos cortá-la da lista.
-Claro que é! É sim! O Doutor O. Shaareef atestou.
-Pois bem, você tem uma entrevista amanhã com uma guitarrista chamada Malu Lewknor, ela apareceu agora e basicamente necessita que você organize a sua agenda e marque seus compromissos de trabalho. Anote o endereço.
-Oba! Quero dizer, sim, claro, pois não.
-Você tem alguma carta de referência mais atual que a do senhor Omar Xarriv?
-Não, se tivesse eu estaria trabalhando e meu nome não estaria com vocês - Dei uma gargalhada, porque fala sério, que gente burrinha.
Surto do Omar:
-Malu Lewknor! Não acredito! A mulher é B-A-F-O!
-É? - Perguntei, empolgada.
-Não, acho que nem reconheceria a cara dela, mas o marido dela é L-I-N-D-O!
-Ah, fodeu.
Expliquei pro Omar o que todo mundo está mais careca que eu de saber. Não me dou bem com mulheres, principalmente mulheres casadas com homens lindos, não que eu seja fura olho, não furo nada, não furo nem orelha, tenho pavor de agulhas, mas tenho essa qualidade avassaladoramente sensual e sexual e por isso os homens querem me comer e as mulheres querem me dar na cara, e foi assim que terminei sem amigos, só tenho o Omar, que vai se mudar e eu vou ficar totalmente sem amigos de vez e ninguém para escrever cartas de referência e atestados médicos falsos para mim e agora seria uma pessoa sem amigos e pobre eterna porque a única entrevista que consegui era com uma mulher de marido lindo e...
Precisei parar para tomar ar.
-É só não seduzir o marido - Omar falou.
-Mas eu sempre seduzo! Minha sensualidade é inerente e inconsciente e estou estressada!
-Isso! Fique estressada! Aí aumenta seu problema de queda de cabelo, dente mole, pelo encravado, pele descamada e bafo que parece que abriram as portas do inferno.
-Tô fedendo? - Dei uma baforada na palma da mão pra testar.
-Ainda não, mas tente feder na frente do marido pra ele não ficar louco por você.
-Ah, que simples - Anotei a dica na minha agenda, pois, se vou organizar a vida dos outros, é melhor começar pela minha.
O quarto estava todo atravancado porque Omar estava me ajudando a experimentar roupas que me deixassem executiva e com ar respeitável ao mesmo tempo que ressaltassem minha queda de cabelo e pele descamada para o marido lindo não ser seduzido. Enquanto isso, praticávamos a entrevista:
-Qual a sua experiência com computador?
-No momento, não tenho.
-Não tem experiência?
-Não tenho computador.
-A pergunta não é essa. Foco, amiga. O que você sabe fazer no computador?
-Ah, eu usava o do curso de secretária pra jogar Paciência.
-Não diga isso, criatura! Diga que sabe usar o office.
-O que é office?
-Aquilo que você botou no currículo, lembra? Word, Outlook, Excel?
Nossa, o Omar é tão inteligente e fala palavras tão sofisticadas! Acho lindo homens inteligentes que usam palavras sofisticadas. Certeza que já teria direcionado minha sensualidade avassaladora inerente e inconsciente pra ele se ele não fosse gay.
-Aquele programa que escreve, Alex! O que tem e-mail também!
-Espera, vou anotar. O Excel faz o que?
-Não sei, mas diga que está disposta a aprender. Tudo o que você não souber fazer, diga que quer aprender. A Malu Lewknor vai te achar interessante.
-Não sou lésbica.
-Profissionalmente interessante.
-Ah, tá. E qualquer coisa eu anoto aqui! Ah, espera - Levantei uma blusa, duas calcinhas, uma meia calça, um mapa do metrô, um absorvente higiênico e achei.
-O que é isso?
-Um caderno.
-Pra que você quer um caderno?
-Pra anotar os compromissos da mulher do marido lindo.
-Você não usa o caderno. Você precisa do computador.
-Não sei nada além de jogar Paciência no computador. - Só que sou tão esperta que abri um sorriso competente e acrescentei: - Mas estou disposta a aprender.
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O Lado Escuro da Lua
RomanceEsse livro é uma coletânea dos POVs de Canções da Minha Vida e Diários de Malu, à venda na Amazon.com.br. Essas visões dos personagens foram escritas pelas leitoras e, algumas, pela autora, e nasceram de uma brincadeira no grupo Realidades Paralelas...