(1987) Mick: O início do resto das nossas vidas

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Eddie ligou ontem pra saber se eu tinha mudado de ideia. Caralho, pensei que ele nem fosse lembrar disso! Tudo começou anteontem, porque ele ficou de me arrumar uma calça pro meu terno. Era o meu pai que ia me dar o terno, ele dizia que fazia questão e tal, então anteontem à tarde encontrei meus pais e ele me deu a camisa, o paletó, a gravata e a porra de um kilt.

UM KILT!

Me formava ontem, e ia ter de ir de saia!

Meu pai disse que isso é o que os McCallen usam na formatura, mas ele só diz isso porque nunca foi pra faculdade e, se tivesse ido, teria sido em um buraco como Elgin, onde a vizinha da tia Alberta anda pra cima e pra baixo com uma lagosta numa coleira. Aliás, agora que penso no assunto, acho que sou o primeiro McCallen a se formar, pelo menos dos que conheço.

Saí ligando pra todo mundo que conhecia e Eddie falou que me arrumaria a calça. Não entendi como, eu sou mais magro e o Eddie é alto pra caralho, mas ele disse que daria um jeito e deu mesmo. Não tem nada que o Eddie não arrume.

Ele acabou aparecendo com o Tom e, como a Singe estava com as meninas, terminamos chapados na sala, o Tom dizendo que eu devia usar a saia, que combinava com a decoração da Singe.

-Ah, é maneiro, vai. E já me acostumei a fazer aquele troço de inalação duas vezes por dia.

-Nebulização? – Eddie falou.

-Porra, sei lá o nome!

-Cara, o Eddie usa maquiagem! Lógico que ele sabe o nome dessas paradas – Tom falou.

Eddie pegou a primeira coisa que viu e jogou em cima do Tom. Na hora parecia um borrão cinza, até eu perceber do que se tratava.

-Cara, não faz isso! É o Topo Gigio!

-É o quê...?!

-O Topo Gigio da Singe. Ela ganhou da tia-avó quando fez sete anos porque ela queria conhecer a Itália e aprendeu a falar cinco palavras em italiano com o dicionário. "Abaca", "Abaco" "Abad... Abade... Abada..." – Porra, sempre me enrolo com essa. Tava tentando lembrar quando percebi que Tom e Eddie rolavam pelo chão de dar risada.

-Como se diz "Virei cachorro da minha mulher" em italiano? – Tom falou.

-Porra, vai dizer que você não aprendeu brasileiro?

-A Malu fala português, ignorante, e não aprendi porra nenhuma.

-Brasileiro?! Cara, que vergonha de vocês!

-Tá bom. Aposto que você entende português quando a Malu fala "me come mais forte".

-Olha o respeito! – Tom me tacou o Topo Gigio. Singe ia me matar!

-Não foi maneiro, Mick – Eddie, que não tinha merda nenhuma a ver com a história, falou.

-A Eduarda é puritana – Respondi.

-Caralho, e você sabe o nome do rato! – Eddie disse.

-Ei, não é vergonha, não! E digo mais – Reza a lenda que o barato bateu mesmo foi naquela hora – Vou pedir a Singe em casamento amanhã.

Tom soltou uma gargalhada, achando que eu tava zoando. Eddie falou:

-Tá de sacanagem?

-Amanhã, depois da formatura, vou pedir a Singe em casamento. Ano que vem, nessa mesma data, vou ser um homem casado e não vou estar mais andando com vocês porque tanto idiota junto vai depor contra a minha imagem.

E, no dia seguinte, só lembrei da história quando o Eddie me ligou pra saber se eu tava falando sério. E aí, quando lembrei, não conseguia pensar em outra coisa. Porra, tô morando com a Singe já tem um tempo, tô apaixonado, a gente gosta das mesmas coisas, quer as mesmas coisas, e uma delas é casar e ter uma família. Vou esperar o quê? Vou ficar adiando até arrumar um emprego na minha área? Fala sério, não sei nem por que terminei aquela faculdade, eu nunca vou trabalhar com administração. Se eu tenho certeza que vou passar o resto da vida com a Singe, melhor começar de uma vez.

-A merda é que não vai dar tempo de comprar o anel. Vou aproveitar que os meus pais estão na cidade, compro um anel legal, amanhã vou almoçar com eles e a Singe e faço o pedido na frente deles – Foi o que eu disse pro Eddie.

O que aconteceu na verdade:

Recebi um diploma inútil e depois fomos todos ao Revenge, a turma mais bem arrumada que aquele buraco já viu na vida. Todo mundo me pagou uma cerveja. Quando eu digo todo mundo, foi todo mundo mesmo, dos meus amigos ao barman. Acho que ganhei cerveja até do porteiro. Sou um administrador agora, caralho. Devia ser o freguês mais ilustre que já cruzou aquela porta. Achei que tava legal, aliás, tava super bem. Minto, tava feliz pra cacete! Acabou a merda da faculdade, ia poder me dedicar à banda cem por cento, a gente tinha lançado o primeiro disco eu estava com a mulher que era só a mais linda e mais sensacional daquele bar. Puta que pariu, daquela cidade. Aliás, que eu já vi na vida inteira, foda-se se tem um rato escroto chamado Topo Gigio. Pra falar a verdade, é o máximo que ela tenha um rato escroto chamado Topo Gigio e saiba cinco palavras em italiano em ordem alfabética. Quando eu vi, estava ajoelhado na frente dela, perguntando se ela queria casar comigo. Na mesma hora abriu uma roda em volta da gente.

-De verdade? – Acho que nem ela estava acreditando, mas eu nunca falei tão sério na vida.

-Nunca falei tão sério na vida. – Eu disse, porque de nada adianta falar essas coisas dentro da própria cabeça. – Quer casar comigo?

-Porra, Mick, que tosco! Não tem nem anel? – Gigi falou. A lesada arrancou uma linha do vestido e me entregou, e eu a enrolei em volta do dedo da Singe.

-Aceito – Singe sorriu, e foi o sorriso mais lindo que eu já vi na vida. Durou dois segundos: - SAI DA FRENTE QUE EU PRECISO VOMITAR!

Cara, com um pedido assim, não tem como esse casamento dar errado.

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Esse é o segundo POV da Semana do Mick, que acontece até o dia 17 de dezembro no grupo Realidades Paralelas da Mari


O Lado Escuro da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora